O debate em torno da renovação de contrato com o Instituto de Gestão e Humanização (IGH), entidade que administra a UPA Zona Norte de Caxias do Sul, trouxe à tona diversos questionamentos sobre o serviço prestado. Confira seis dilemas que afetam diretamente o público, segundo dados levantados pelo Conselho Municipal da Saúde, pela presidência da Câmara de Vereadores e por outros setores em diferentes momentos desde que a unidade abriu as portas em setembro do ano passado.
Fornecimento de remédios
Uma das reclamações passa pelo fornecimento de remédios a pacientes que não precisam ficar em observação. Por contrato, a UPA só libera a medicação receitada pelos médicos plantonistas das 16h às 8h durante os dias úteis. Fora desse horário, cabe ao doente buscar o produto na UBS de referência, nas farmácias do município ou comprar na rede privada (a mesma regra do Postão).
Nos finais de semana, a quantidade é distribuída a qualquer horário, mas proporcionalmente ao número de dias que restam até a abertura dos postinhos nos bairros. Por exemplo: se o paciente for atendido no final da tarde de sexta-feira na UPA, ele ganhará doses suficientes para manter o tratamento até a manhã de segunda-feira.
— Esse é um complicador para a população. Se alguém é atendido pouco antes das 16h durante a semana, não vai sair com a medicação e certamente não terá tempo de pegar a UBS aberta. Essa pessoa se obriga a comprar ou esperar pela abertura da UBS no dia seguinte — exemplifica Fernanda Borkhardt.
Os postos de saúde da Zona Norte têm sentido o efeito desse dilema. Muitos pacientes da UPA acabam buscando a medicação nas UBSs do Santa Fé, Vila Ipê e Belo Horizonte. As unidades, por sua vez, não têm estoque para tanta demanda. O conselho defende mudar essa regra para renovar o contrato.
— Que se comece a liberar o medicamento mais cedo — diz Fernanda.
A UPA afirma que não pode liberar medicação antes das 16h devido ao contrato estabelecido pela própria prefeitura.
Suposta falta de equipamentos
Um inquérito do MP tenta esclarecer se há fundamento nas denúncias encaminhadas pelo presidente da Câmara de Vereadores, Alberto Meneguzzi (PSB), sobre a falta de medicamentos, equipamentos, materiais, ambulância e funcionários na UPA. Os apontamentos do parlamentar foram protocolados no final do ano passado.
Em janeiro deste ano, a promotora Adriana Chesani solicitou relatórios da Comissão de Avaliação e Fiscalização dos Serviços da Secretaria Municipal da Saúde sobre o primeiro trimestre das atividades do IGH na UPA, uma exigência do contrato firmado com o município. O pedido teve de ser refeito em maio, e foi solicitada também a avaliação do primeiro trimestre deste ano, mas resposta só chegou em julho. A documentação está sob a análise da promotoria.
Em maio, um oficial do MP foi designado para averiguar as condições do veículo utilizado para o transporte de pacientes e entrevistar o público que estava no local. Uma das intenções é saber as razões pelas quais os pacientes buscaram atendimento e há quanto tempo estavam no local. As informações serão usadas na investigação, ainda sem prazo para conclusão.
Irregularidades trabalhistas
As denúncias levadas para o MP também enfatizam irregularidades trabalhistas, o que ficou comprovado pelo Ministério do Trabalho (MTE) no ano passado. O SindiSaúde, que representa os funcionários da UPA, ainda recebe queixas de trabalhadores.
— Há apontamentos de superlotação, tem demora no atendimento e falta de materiais. Quando é algo que cabe ao sindicato, nós ligamos para a direção, tentamos intermediar. Tem trabalhador fazendo jornada direta de 24 horas porque faltam funcionários para substituí-lo. Assim, a qualidade do atendimento é inferior — pondera a presidente do SindiSaúde, Bernadete Giacomini.
Entre setembro e outubro do ano passado, o órgão federal emitiu pelo menos 13 autos de infração contra o IGH, que acabaram gerando multas. Boa parte das infrações tinha relação com jornada excessiva de trabalho, pagamento de vale-transporte atrasado e falta de uniforme, entre outros.
— Na época, foram regularizadas e não teve mais fiscalização. Desde então, não chegaram mais denúncias a respeito _ enfatiza o gerente regional do MTE, Vanius Corte.
Pediatria ainda não é plena
Na escala de plantão do último sábado, dos seis médicos designados para a pediatria na UPA, apenas um efetivamente tinha essa especialidade, segundo dados disponíveis no cadastro de médicos do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers). O fato de a gurizada ser avaliada por clínicos gerais não é uma irregularidade, mas não condiz com a propaganda da Secretaria da Saúde de que a UPA tem plantão pediátrico 24 horas.
No início de agosto, o secretário da Saúde, Geraldo da Rocha Freitas Júnior, garantiu reforço médico na unidade da Zona Norte para dar conta da demanda de inverno. Houve o adicional de um pediatra e um clínico em cada turno, além de um pneumologista e um pneumopediatra, segundo a secretaria. A procura por pediatria na UPA cresceu 40%, principalmente devido à interrupção de consultas aos finais de semana no Postão. Com isso, o número de clínicos passou de três para quatro em tempo integral. No caso dos pediatras, a UPA passou de dois para três profissionais, segundo informou a secretaria. Embora a UPA preste atendimento ambulatorial, ou seja, sem foco em tratamento, a ausência de pediatras chama a atenção, uma vez que o especialista tem mais experiência e facilidade para identificar e lidar com as patologias infantis.
— O grande problema da UPA é a baixa resolutividade. O atendimento ocorre, mas não resolve o problema do paciente. Lá na UPA, o médico alivia os sintomas e manda para a UBS para o diagnóstico, o que não seria errado. Mas diante do cenário das UBSs, poderiam pedir exames sabendo que o paciente já vai ter o processo adiantado. No caso, a UPA não tem o comprometimento com o paciente. O objetivo é o baixo custo, não diminui a demanda. Não é ilegal, mas a lógica do investimento em saúde é o comprometimento, por isso se combate a terceirização — critica a presidente do Conselho da Saúde, Fernanda Borkhardt.
Problemas do Postão se repetem na Zona Norte
A longa espera por leito hospitalar causa tensão na UPA, o que distorce a finalidade do serviço. Assim como no Postão, as equipes da Zona Norte se obrigam a manter pacientes por dias seguidos por falta de vagas em hospitais. Na manhã de sexta-feira, o mecânico Sandro Verona, 48, cuidava do pai, Pedro Verona, 87. O idoso estava acamado na UPA desde a tarde de quarta-feira e necessitava de um leito hospitalar. No mês passado, quando Pedro também precisou de atendimento médico, a espera foi de oito dias até ele conseguir uma vaga no Hospital Geral (HG).
— É normal pacientes aguardarem quatro, cinco dias por leito de hospital. Já teve pacientes que ficaram até nove dias, isso gera tensão. Na sala vermelha, por exemplo, temos como entubar o paciente, mas, a partir disso, precisamos mandá-lo para o hospital. A resolutividade nesses casos é de 45 minutos, pois o suporte dado pelo Samu é bom — afirma a coordenadora de enfermagem da UPA, Amarilda de Andrade.
Apesar da longa espera, Sandro é só elogios à UPA:
— Não tenho do que reclamar, o atendimento é bom, as enfermeiras são atenciosas.
Os atendentes, a exemplo do que é alegado há anos pelas equipes do Postão, afirmam que a UPA tem recebido muito mais casos de UBS do que de urgência, um claro indicativo das barreiras enfrentadas pela população no tratamento de doenças.
— Vêm pacientes com doenças crônicas, que têm o perfil do acompanhamento em UBS, mas é aquela história de ter que ir cedo no posto e não ter médico, então acabam procurando a UPA por ter essa praticidade e já sair daqui com remédio — enfatiza Amarilda.
Conforme a Secretaria da Saúde, a UPA realiza cerca de 8 mil atendimentos por mês e absorveu 20% do atendimento antes prestado pelo Postão.
Questionamento nas redes sociais
Funcionários da UPA ouvidos pela reportagem afirmam que nem todas as reclamações sobre demora no atendimento ou falta de material são verdadeiras e sentem-se reféns da disputa política que envolve o serviço. Uma página no Facebook criada ainda no ano passado para reunir críticas "construtivas" da população a respeito da unidade provoca desconforto entre os trabalhadores.
Embora a UPA não tenha equipamentos para exames mais complexos como tomografia, a equipe cita a rapidez para as consultas _ a média de espera não foi divulgada, mas em dias de menor movimento, o tempo varia de 15 a 30 minutos. Contudo, há relatos de duas ou três horas de espera, e até mais, em momentos de lotação.
Durante visita da reportagem na manhã de sexta-feira, a equipe da sala vermelha da UPA, que atende apenas casos graves, exibia com orgulho os equipamentos disponíveis. Naquele momento, não havia nenhum paciente internado.
— Temos monitores em todas as cabeceiras dos quatros leitos. Temos dois cabos de paradas (com medicações necessárias para salvar pacientes com risco de vida), dois desfibriladores na sala e macas equipadas com torpedos de oxigênio — listava um dos funcionários que pediu para não ser identificado.
Contra as críticas sobre o encaminhamentos dados a pacientes, a coordenadora de enfermagem Amarilda de Andrade adianta que a UPA está implantando um processo interno de assistência para fazer o acompanhamento de forma mais completa.
— É dar assistência desde que ele entra, com a nutricionista, com a enfermagem, com o serviço social, com o médico, enfim, em todas as etapas.