Quem circula diariamente pelas estações de integração (EPIs) Imigrante e Floresta em Caxias do Sul questiona a falta de uma estrutura adequada para a venda de alimentos nestes locais. Enquanto o município não regulariza a situação, pessoas que estavam desempregadas atuam informalmente nesses espaços para atender à demanda. Na EPI Imigrante, por exemplo, os vendedores conquistaram a lealdade da clientela. A variedade é grande: pastéis, cucas, bolos, pão, grôstoli, sanduíches, bolacha, biscoito, chocolate quente e trufas. Os ambulantes têm até caderninho para anotar os gastos, permitindo que os clientes acertem as contas ao longo do mês.
Os produtos, ofertados em cestas e embalagens fechadas, atraem a atenção dos passageiros, motoristas, operadores de sistema e até dos fiscais. Os comerciantes estão organizados: quatro vão pela manhã e outros quatro pela tarde. A combinação tem como objetivo não atrapalhar a movimentação de passageiros, ocupar os bancos ou provocar problemas para eles próprios, como a competitividade, já que vendem produtos parecidos, ou gerar desconforto e antipatia entre o público.
Embora apreciem a oferta dos lanches, os clientes são unânimes em dizer que é preciso um espaço melhor para qualificar o serviço.
O motorista André Silva da Silva, 40, ressalta que a presença dos ambulantes é essencial para quem, como ele, não pode sair da estação para comprar um lanche.
— Os produtos são bem feitos, enchem os olhos e estão bem embalados. Acredito que o ideal seria a prefeitura criar um espaço ali (apontando para uma área vazia da EPI Imigrante) para construir um quiosque ou um estrutura melhor para que os vendedores possam trabalhar — sugere.
A oferta de ambulantes na EPI também facilita a vida do operador de sistema Eduardo Guimarães, 59, que não tem como deixar o ônibus para procurar alimento nas proximidades.
— Os vendedores têm que continuar aqui porque nós, que trabalhamos nos ônibus, precisamos deles. Não temos como sair da estação para comprar comida — afirmou, enquanto saboreava um pastel e um chocolate quente para esquentar o dia gelado.
Se depender de passageiros que passam todos os dias pela estação, como a auxiliar de limpeza Regina Oliveira, 44 anos, as vendas devem continuar:
_ Pra mim, não atrapalha em nada. Ao contrário, se tenho condições, compro sempre. Eles estão trabalhando, como todo mundo, e os produtos à venda são muito bons.
Para a dona de casa Terezinha Castilho Andelieri, 69, a atuação dos comerciantes faz bem a todos: eles que precisam trabalhar e os passageiros que tem que se alimentar.
— Quem é contra está errado porque eles precisam de oportunidades e de uma fonte de renda. Eu gosto dos produtos e facilita a minha vida porque já garanto a compra do pão para levar para casa ou de um sanduíche para o lanche da tarde — defende.
"Daqui eu tiro o meu sustento", afirma vendedor
Na EPI Imigrante, visitada pelo Pioneiro no último dia 24, os ambulantes normalmente chegam de manhã. Eles desembarcam dos ônibus e fazem as vendas até o meio-dia. À tarde, chegam os vendedores do segundo turno. Um vendedor de 42 anos, que preferiu não se identificar, está entre os mais antigos que atuam na estação. Ele é de Porto Alegre e se mudou para Caxias do Sul para viver com uma tia. Desentendimentos familiares fizeram com que ele se mudasse para uma pensão. Pai de dois filhos e desempregado, ele aprendeu a fazer trufas e é da venda dos bombons que garante seu sustento.
— Eu vendo minhas trufas aqui desde maio do ano passado. Aprendi a fazer e é daqui que eu tiro o dinheiro para pagar o aluguel e a pensão dos meus filhos. Graças a Deus, eu vendo de 80 a 100 trufas por dia. Às vezes, umas 150, e o pessoal elogia, viu? — revelou.
O comerciante reconhece que seria melhor trabalhar em uma empresa, com um salário estável e benefícios, mas, como não consegue emprego, precisa manter a atividade:
— Estou aqui me virando. De terça a domingo, com chuva e frio, eu estou aqui para garantir meu dinheiro honesto.
Desde janeiro vendendo alimentos na EPI, uma jovem de 23 anos ajuda a madrasta nas vendas. Sobre uma mesinha, que é levada para casa no final de cada dia, elas expõem um pouco de tudo.
— Vendemos muito bem. Os motoristas e operadores elogiam os nossos produtos e compram bastante porque para eles não tem alternativa — contou.
Há menos tempo no local, uma moça de 29 anos é uma das mais empolgadas na propaganda dos produtos.
— Pão de milho, pão colonial, cuca de chocolate! — anuncia aos clientes com bom humor.
— Eu estava desempregada e meu tio faz os pães e cucas, então aproveitei a oportunidade. Vendo entre 50 a 70 por dia. A prefeitura podia nos ajudar e ceder aquele casarão (antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) para regularizarmos a nossa situação.
Prefeitura analisa chamamento público para abrir ponto de comércio em EPIs
A secretária municipal de Urbanismo, Mirangela Rossi, ressalta que está em análise a possibilidade de um chamamento público para regrar e regulamentar a venda de alimentos nas EPIs. Ela explica que a solicitação partiu do gabinete do prefeito Daniel Guerra (PRB) e já passou pela Procuradoria-Geral do Município (PGM).O órgão, inclusive, orientou que pode ser aberto um chamamento público para a implantação de pontos para comercialização de alimentos nas estações. A solicitação deve retornar ao Gabinete, que irá tomar a decisão final sobre a abertura de pontos de comércio nas estações.
— Acredito que seria interessante, porque hoje o comércio informal já existe e não há, nas proximidades, locais para os passageiros, motoristas e operadores de sistema comprarem uma água, café ou fazer um lanche. Entendo que não seria uma situação ruim. Mas terá de ser feito um processo licitatório, um chamamento público, determinar quantos pontos serão abertos e credenciar os profissionais que vão vender alimentos no local — explica Mirangela.
A secretária acrescenta que a regulamentação e o regramento são essenciais para garantir a segurança dos consumidores:
— Já tivemos denúncias sobre a venda de bebidas alcóolicas nas estações, e fiscalizamos porque esse comércio não é permitido de forma alguma. Quanto aos alimentos, é necessário a licença da vigilância sanitária como em todas as bancas que estão instaladas na cidade. Não podemos deixar de lado esse cuidado. Tem de ter as licenças e, por isso, estamos analisando formais legais para depois chamar a pessoas que já estão trabalhando para regularizar a situação.
Enquanto não passa por restauro, sede do antigo DNER recebe tapumes para evitar ação do tempo
Enquanto não começam as obras de restauração, o casarão que foi sede do antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) recebeu tapumes para evitar deterioração pela ação do tempo. O imóvel, de 350 metros quadrados e dois pisos junto à EPI Imigrante, foi construído na década de 1950.
De acordo com o secretário do Planejamento, Fernando Mondadori, já existe um projeto básico para o restauração, mas o município ainda não conseguiu viabilizar recursos junto ao governo federal. A última vez que a prefeitura solicitou auxílio da União foi no ano passado, quando encaminhou pedido de cerca de R$ 400 mil.
— Temos o compromisso do restauro. De forma preventiva, estamos colocando compensados nas janelas, tapumes e também avaliamos jogar uma lona por cima — detalha Mondadori.
O casarão construído em madeira ficava às margens da BR-116, no terreno onde hoje opera a EPI Imigrante, e foi desativado em 1980. Como a área é da União, o contrato de cedência para construção da estação previa a preservação do imóvel.
A prefeitura cogitou levar o casarão para Ana Rech, onde os moradores pretendiam criar um monumento aos motoristas. A opção, no entanto, foi manter a casa aos fundos do terreno original para a criação de um museu da história rodoviária de Caxias do Sul. Segundo Mondadori, no entanto, embora haja o projeto de restauro, o uso que será dado ao casarão ainda não está definido.
O DNER hoje está extinto e foi substituído pelo Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (DNIT). (André Fiedler, Rádio Gaúcha Serra)