Uma lei sancionada nesta semana deve corrigir distorções na base de dados nacional sobre o câncer. Atualmente, a notificação de casos da doença é facultativa, o que faz com o que país não tenha um levantamento real do número de pacientes que enfrentam o problema. Na prática, todos os casos relacionados à doença terão que ser obrigatoriamente notificados nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional.
Essa distorção impacta, inclusive, no direcionamento de recursos por parte do governo federal para o combate ao câncer.
A legislação, sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB) e publicada no Diário Oficial na última terça-feira, tem 180 dias para entrar em vigor. O prazo obrigatório para o início do tratamento não muda: 60 dias a partir da assinatura do laudo patológico, conforme determina a chamada Lei dos 60 Dias, de 2012. Com a nova lei, o Sistema de Informação do Câncer (Siscan), que já é utilizado pelas instituições de saúde, deve passar a funcionar integralmente.
Em Caxias do Sul, o câncer é o responsável por 25% das mortes, conforme estudo do Observatório de Oncologia do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC) e do Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgado em abril. A cidade tem dois centros de referência para tratar a doença: o Instituto do Câncer do Hospital Pompéia (Incan) e a Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) do Hospital Geral (HG). As duas instituições atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No Incan, os dados são compilados em dois sistemas: o Siscan e o Registro Hospitalar do Câncer (RHC). Os bancos de dados são similares, mas apenas o Siscan tem o registro de quando o paciente foi diagnosticado com câncer e quando iniciou o tratamento. As plataformas contam com informações sobre os pacientes e a doença para ampliar a fonte de dados sobre a assistência prestada àqueles que lutam contra o problema.
A enfermeira coordenadora do Incan, Stefânia Broilo Búrigo , explica que o instituto já segue as diretrizes do Ministério da Saúde, registrando, portanto, as informações para ampliar o acesso aos dados e sobre o tratamento do câncer. Ela acredita, no entanto, que o maior entrave seja o diagnóstico:
— A demora para conseguir atendimento, consultas com especialistas e exames é o maior problema, porque percebemos que quando os pacientes chegam até o Incan, tumores que poderiam ser curados antes já estão em graus mais avançados e graves da doença. Acredito que tenha que alterar a maneira de investigar o câncer. Tudo depende de um diagnóstico mais eficiente — argumenta ela.
Ela acrescenta que assim que o paciente chega até o instituto, o tratamento se inicia em poucos dias:
— Se o paciente for de Caxias do Sul, leva em torno de três a quatro dias para que ele seja submetido à primeira quimioterapia, após a autorização do procedimento. Caso seja de fora da cidade, o tratamento se inicia em torno de uma semana. Se um paciente grave chegar hoje no Incan, temos todas as condições de iniciar o tratamento imediatamente. Não há demora no serviço após o diagnóstico da doença, o maior problema é antes do tratamento — frisa ela.
Atualmente, 4 mil pacientes estão em acompanhamento no instituto. Destes, pelo menos mil estão em tratamento efetivo contra o câncer.
O Hospital Geral foi procurado pelo Pioneiro mas preferiu não se manifestar antes de se apropriar do assunto.
Diagnóstico rápido é esperança de vencer a doença
A aposentada Isolete Margarida Kister, 67 anos, é atendida desde novembro no Incan. Ela conta que sentia dores, mas relutava em procurar o médico.
— Tomava chás e seguia receitas antigas quando sentia dor. Quando passei muito mal, acabei vindo para o pronto-socorro daqui (Pompéia) e estava com pedra na vesícula. Durante o tratamento, descobriram um câncer no fígado, mas eu me sinto muito bem. Estou melhorando. Eles perceberam o problema rápido e fui muito bem atendida por toda a equipe — elogia.
A dona de casa Jaqueline Beatriz Flores, 56, sentia dor nas costas. A suspeita inicial dos médicos era que ela tivesse pedra nos rins ou na vesícula. O diagnóstico de câncer veio no início do ano.
— Comecei a quimioterapia em fevereiro depois de passar um mês internada. Foi quando descobriram que eu tinha um câncer de mama que se espalhou para os ossos. Sinto muita dor — revela ela.
DADOS SÃO ESSENCIAIS PARA A PREVENÇÃO
Uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa na quarta-feira analisou a importância da adoção do registro compulsório da doença e os gargalos que impedem tal implementação, além da necessidade de se efetivar uma maior agilidade no diagnóstico do câncer.
— As etapas, desde o primeiro sintoma, até o diagnóstico e tratamento, devem ser fiscalizadas, pois doenças como o câncer têm que ser atendidas com agilidade. O registro compulsório do câncer pode ser um caminho para essa fiscalização, pois a informação será registrada, e será possível fazer o rastreamento dos encaminhamentos de cada paciente. Os registros de câncer hoje estão com atrasos, com a implementação do registro compulsório teremos dados em tempo real — afirmou Rafael Vargas, coordenador do registro hospitalar do câncer da Santa Casa de Misericórdia, que participou da audiência na Capital.
Também presente no encontro, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) destacou que com o registro de obrigatório de casos de câncer, a expectativa é gerar dados confiáveis que embasem estratégias de enfrentamento da doença. Para a federação, o levantamento é considerado peça chave para melhorar o planejamento da atenção e cuidado para vencer o câncer.
Além disso, o debate abordou a necessidade de maior agilidade nos processos de diagnóstico oncológico a partir da suspeita de câncer. Existem casos de espera para confirmação do câncer que levam meses entre os pacientes da rede pública, e mais da metade deles têm a confirmação do diagnóstico quando o câncer já está em estágio avançado. A entidade batalha pela aprovação do projeto de Lei 5722/13, que incluirá um artigo na Lei dos 60 Dias, estabelecendo o prazo máximo de 30 dias para a confirmação do diagnóstico mediante suspeita médica de câncer. A confirmação diagnóstica se dá pelo laudo anatomopatológico, resultado da biópsia.
NÚMEROS
De acordo com números do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, em 2015, ano dos últimos dados oficiais, 669 pessoas morreram de algum tipo de câncer em Caxias do Sul em um total de 2.691 óbitos. O padrão se manteve praticamente igual em 2017, conforme estimativa da Secretaria Municipal da Saúde em abril.