Enquanto cuidava da filha de 12 anos que estava hospitalizada para tratamento de meningite, em Vacaria, a doméstica Eleonora Chaves, 53 anos, precisava lidar com outra preocupação: escutou nos corredores do Hospital Nossa Senhora da Oliveira que a UTI poderia fechar.
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Ao saber que a possibilidade era real, Eleonara se desesperou:
- Eles são tão bons pra nós, nos atendem tão bem. Minha filha melhorou bastante desde que chegou aqui. Ajudaram a gente, e misericórdia, que sigam ajudando os outros.
O fim da UTI é uma das medidas que o gestor Edson Luiz Tusi Izolan pretende tomar para reduzir os gastos mensais da instituição, que recebe uma média diária de 110 pacientes para diversos serviços. Mais de 80% dos pacientes são beneficiários do Sistema Único de Saúde (SUS). São 12 leitos da UTI que resultam em custo diário de R$ 1,3 mil por paciente - o Estado repassa cerca de R$ 600 para cada leito.
No ano passado, o hospital encerrou com prejuízo superior a R$ 2 milhões. A expectativa para este ano é ainda menos otimista. Por esse motivo, serviços como exames, consultas com especialistas ou cirurgias eletivas podem ser reduzidos a partir de maio.
- Ninguém quer ser responsável pelo caos, mas era sabido que uma hora isso ia estourar. Temos um déficit superior a R$ 200 mil mensais e nos tornamos dependentes quase que exclusivamente do SUS - afirma Izolan.
Na semana passada, oito dos 12 leitos estavam ocupados, sendo que cinco pessoas eram moradoras da região, pois o hospital é referência para pelo menos oito municípios, além de Vacaria.
Bom Jesus não tem profissionais e medicamentos
Um cartaz na recepção do Hospital Bom Jesus avisa: você deve ser consultado somente por médico. O alerta lembra que técnicos de enfermagem ou enfermeiros eram responsáveis por todo o atendimento clínico na instituição, o que é ilegal. A falta de médicos é resultado de salários atrasados desde dezembro.
A casa não era referência apenas para internações, mas também para consultas e exames. Nas últimas semanas, os 40 leitos estão quase sempre vazios. Pacientes deixaram de procurar o Bom Jesus após saírem de consultas sem medicação, sem possibilidade de fazer exames simples como raio-x ou porque não há garantia de atendimento por especialista ou clínico-geral.
A situação é o que motivou gestantes a buscar ajuda em Vacaria ou a improvisar o acompanhamento do pré-natal. Uma grávida de 29 anos, que prefere não se identificar, adquiriu um ultrassom portátil para escutar os batimentos cardíacos do bebê em casa. Já no final da gestação, ela vai até três vezes por semana a Vacaria, em uma viagem de 45 minutos, para exames de rotina e consultas.
- Eu não aconselho ninguém a ficar grávida por aqui. Não temos atendimento - relata.
A cozinheira Jandira Castanha Pereira, 32 anos, viveu essa insegurança no limite da gestação: teve o filho dentro da ambulância, pois o hospital não teria estrutura para partos. A jovem Osiane Rosa de Souza, 19 anos, terá o filho em Caxias do Sul e paga os exames e consultas particulares, porque não encontra especialista na cidade.
Estas e outras reclamações obrigaram a prefeitura a formar uma comissão interventora e administrar o hospital por 180 dias. Antes, a gestão era de responsabilidade da Isev. A equipe interventora detectou a falta de 200 tipos de medicamentos, cerca de 90 itens irregulares na avaliação da Vigilância Sanitária, macas enferrujadas e os salários atrasados.
O desafio da comissão, administrada pelo médico Alexander Ribeiro de Liz, é devolver um hospital com atendimento qualificado.
- O hospital está sempre vazio porque a população não confia mais nele. Vamos reestruturá-lo, pedir ajuda à comunidade, buscar verbas, ser parceiros da comunidade - resume Liz.
Sem médicos, Canela cancelou cirurgias e partos
Se o Hospital Arcanjo São Miguel de Gramado sobrevive por conta de uma intervenção da prefeitura, na vizinha Canela, o conselho fiscal e a presidência do Hospital de Caridade cogitam a possível transferência da administração para o Instituto de Saúde e Educação Vida (Isev), instituição sem fins lucrativos que deixou de operar em Bom Jesus por de uma conta de uma intervenção da prefeitura daquela cidade.
O Isev assumiria a casa de Canela para salvá-la de uma grave crise financeira. Em troca, como garantia, o patrimônio do hospital terá de ser cedido para o Isev por 10 anos. Pode ser uma alternativa diante da gravidade do problema.
O hospital deixou de oferecer cirurgias, atendimento obstétrico e anestesia, pois os profissionais estão sem receber salário desde dezembro. O paciente precisa se deslocar até Gramado, o que acaba sobrecarregando a instituição que está sob o comando da prefeitura.
- A situação é crítica. Se alguém chega ferido aqui, por exemplo, não temos a mínima condição de atender - afirma o presidente do hospital de Canela, Jerônimo Terra Rolim.
Em Gramado, a prefeitura comemorou os resultados do primeiro mês de trabalho. Segundo o secretário municipal de Saúde Jeferson Moschen, as ações visaram motivar a equipe de colaboradores - parte dos médicos recebeu os salários de fevereiro somente neste mês.
Cerca de R$ 327 mil foram liberados para compras de equipamentos e melhorias aplicadas na alimentação, lavagem de roupas, higienização, entre outros. A equipe pretende reduzir em 30% gastos com fornecedores e está revendo acordos firmados com operadoras de saúde. De acordo com o secretário, os pacientes não tinham as refeições garantidas e eram atendidos em camas e macas enferrujadas.
Crise na saúde
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