Estrogonofe. Era segunda-feira de noite e bateu uma vontade incontrolável, ao nível do desejo mais puro, de comer uma panelada de estrogonofe. É o tipo de coisa que não tem explicação, que foge ao racional. E isso que não posso nem usar uma suposta gravidez para tentar amparar o surgimento de um desejo assim tão repentino e esdrúxulo. Porque não, não estou grávido, nem de leve. E, sim, desejo esdrúxulo, porque, estrogonofe, faça-me o favor, né.
Entre tantas opções gastronômicas que esse mundo moderno nos coloca à disposição, tendo a sociedade atual gerado uma nova espécie, a dos homens da cozinha, à qual, inclusive pertenço, ampliando o leque de alternativas culinárias ao infinito, reduzir-se a um prosaico estrogonofe na hora de surgir o desejo da gula é patético. Ora, direis, ouvir panelas! Esperava-se de mim, no mínimo, uma vontade de esbaldar-me com um generoso prato de risoto arbóreo com gorgonzola, castanhas e cubos de filé mignon, que tão bem eu sei preparar. Ou ainda, pelo menos, um espaguete à carbonara; um ratatouille; um goulash com páprika picante acompanhado com purê de batatas; uma saltimboca à la romana. Que fosse uma sopa de capeletti, não é mesmo, minha senhora? E minha honradez já estaria salva! Mas não, eu babava por um prataço de arroz branco encimado por concharadas de estrogonofe.
Telefonei e pedi que a esposa trouxesse para casa, ao sair do trabalho, uma embalagem de creme de leite, e que não me perguntasse a razão (afinal de contas, a cebola, a carne e os champignons estavam todos ali, de prontidão em casa, só esperando pelo início do processo, coniventes que estavam com minhas maquinações gastronômicas de última hora). Deixei a carne picada em cubinhos, piquei também a cebola, fatiei os champignons, preparei o arroz. Era só ela chegar com a caixinha de creme de leite e, em alguns minutos, estaria finalizado o prato e saciado meu irrefreável desejo. E foi o que aconteceu, feito tal qual o dito. Fartei-me de estrogonofe preparado por mim mesmo e passei a madrugada rolando na cama misturando insônia com pesadelos, conforme o esperado.
Mas o preço pago valeu a pena frente à possibilidade de saciar um louco desejo. O risco foi calculado e agora, passado o transe daquele momento, tudo me volta à lembrança envolto em uma neblina de pensamentos, como se tivesse sido um sonho. Um sonho e um desejo controláveis e dentro dos limites do exequível, felizmente, sem margem para o gerar de frustrações. Estrogonofe, até vá lá. O que não dá é para sair pela aí cobiçando Ferraris, né madame?
Opinião
Marcos Kirst: tudo bem, mas... estrogonofe?
O preço pago valeu a pena frente à possibilidade de saciar um louco desejo
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