Um único crime é a causa da prisão da maioria esmagadora das mulheres encarceradas em Caxias do Sul. Das 68 que até sexta-feira estavam na Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (Pics), presas provisoriamente ou cumprindo pena nos regimes fechado e semiaberto, 57 foram detidas por tráfico de drogas, tráfico internacional ou associação ao tráfico e representam 84% da massa carcerária feminina da Pics. Destas, cerca de 80% entraram no crime aliadas ao companheiro, tentando entregar entorpecentes ao marido preso ou por assumirem o negócio quando o líder foi detido.
GALERIA DE FOTOS: a vida na ala feminina do presídio de Caxias
No Brasil, a população de mulheres nos presídios assusta. Enquanto a quantidade de homens presos subiu 130% nos últimos 12 anos, entre mulheres foi o dobro: 256%, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Diante dos números, há pequenos esforços pela ressocialização - ações voluntárias dentro da penitenciária tentam inseri-las para o mercado de trabalho e orientá-las por meio da religião.
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O desafio é grande: à medida em que a prisão se torna o endereço delas por mais tempo, mais difícil é a volta ao mundo externo, e consequentemente, maior a chance de reincidência.
- Não só o presídio, mas outras instituições fechadas, como conventos, manicômios, acabam moldando o ser humano a regras que antes pareciam não ser assimiláveis. Mas o ser humano vai se adaptando. Aquilo que no início parece ser um inferno, passa a ser um inferno conhecido. É uma contradição: sonha-se com a liberdade, mas quando ela é conquistada, há dificuldade de se locomover, de se relacionar - analisa a professora Ana Maria Paim Camardelo, pesquisadora do curso de Serviço Social da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Além de ajudar a preparar para a vida fora do cárcere, as atividades no presídio ajudam a aplacar a solidão. Os encontros com voluntários servem como um momento de desabafo, já que as visitas de familiares na ala feminina são bem mais esporádicas em relação à masculina, segundo revelam Rubia Minuzzi Tschiedel e André Gomes, diretores da Pics. Entre os homens, são comuns visitas da companheira e da mãe. Como válvula se escape, muitos se correspondem já encarcerados e acabam formalizando a união estável, pré-requisito para a visita íntima.
- Em geral, o cumprimento da pena da mulher é em meio a muito abandono, ao contrário do homem. A reincidência acontece, algumas voltam a se seduzir pela vida no crime, mas muitas, em função das relações familiares, não reincidem no crime - aponta Janice Ribeiro, coordenadora da assessoria de Direitos Humanos da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe).
Curiosidades
- As detentas criam um linguajar particular. Nas celas, cada conjunto de quatro camas de concreto, em forma de dois beliches, forma o que elas chamam de beco. Em todos os becos há uma televisão, alimentos, cosméticos - esmaltes e alguns cremes, e itens de leitura, principalmente bíblias, além de roupas e peças de crochê penduradas por toda a galeria e dentro das celas. Os becos são divididos com as jegas, cortinas que fecham a entrada do espaço.
- As cartas enviadas à ala masculina, por meio de agentes prisionais, são batizadas: são os catataus.
- Dentro da cela, as presas se acomodam por afinidade. Na Pics, há casos de mãe e filha e de irmãs dividindo o mesmo beco com outras mulheres.
- No vocabulário dos detentos, ninguém é "preso". A frase usada é "eu caí aqui há dois anos", por exemplo.
Sistema carcerário
Mulheres da Pics, em Caxias, buscam apoio na religião e no trabalho para recomeçar a vida longe do crime
Um único crime é a causa da prisão da maioria esmagadora das mulheres encarceradas em Caxias do Sul
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