Um processo com mais de cinco mil páginas, que está há 33 anos em pauta na Justiça, pode prejudicar o pagamento de contas públicas e travar investimentos do município de Caxias nos próximos meses. A dívida de R$ 304 milhões, que indeniza em parte a família Magnabosco pela ocupação irregular de uma área de 57 mil metros quadrados nos anos 1980, área conhecida como o bairro 1º de Maio, está prevista inclusive no projeto das Diretrizes Orçamentárias do Município, aprovado em setembro de 2015, por ordem da Justiça.
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Essa quantia corresponde a 20% do total previsto no orçamento em 2016, que é de R$ 1,7 bilhão de receita utilizável. Se fosse direcionada para o bem comum, essa quantia poderia, por exemplo, resolver boa parte do problema da habitação em Caxias. Ou pelo menos aliviaria a atual situação, de acordo com o secretário da pasta, Paulo Higino Favetti. Hoje, cerca de 9 mil famílias estão cadastradas na pasta em busca de moradia. O valor da indenização para os Magnabosco pagaria, em tese, 4.342 apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida / Caxias, Minha Casa.
O procurador-geral do município, Victório Giordano da Costa, explica que a prefeitura está recorrendo da decisão que obriga o pagamento, já que discorda que o município seja réu no processo, além de que os cofres públicos não suportariam a retirada desse valor.
- Essa reivindicação, no início, relatava os moradores como réus. Então não tivemos chance de nos defender em primeiro grau. Estamos questionando judicialmente o valor dos juros, mas, antes de tudo, queremos retirar o município do processo - explica Giordano.
Para isso, a prefeitura está com duas ações em andamento em instâncias superiores, uma tramitando em Brasília e outra em Porto Alegre.
- Ainda temos um recurso e uma ação para que o município seja excluído do rol dos devedores, e um recurso contra a decisão do juiz que determinou que a indenização seja incluída no orçamento. Acreditamos que a inclusão só pode ocorrer quando o processo for concluído - ressalta o procurador-geral adjunto, Felipe Giovani Marchioro.
Embora confiantes na vitória, os procuradores são categóricos ao afirmar que uma derrota na Justiça causaria problemas para os cofres públicos.
- Este valor está no orçamento como uma parcela negativa. As atividades essenciais do município, como pagamento de salários, educação e saúde, têm primazia. Para se ter ideia, o valor destinado para a área da educação para todo ano é de 315 milhões. Mas é simples: se não tem dinheiro, não tem como pagar. Ou se paga na medida do possível - afirma Giordano.
Os processos estão em julgamento, mas não há previsão para conclusão das ações, segundo Giordano:
- Se no final do ano vermos que eles não avançaram, claro que uma atitude será tomada, mas é provável que esse valor não seja pago.
Há 33 anos no caso, Durval Balen, que defende a família no caso, concorda que o valor cobrado é alto, mas diz que a situação só chegou a esse ponto por omissão da prefeitura:
- Se tivesse sido pago lá atrás, isso não estaria acontecendo agora. Um acordo poderia, quem sabe, resolver o problema, mas a família nunca foi procurada. Tem quem questione a ação dos herdeiros, mas isso não é benefício deles, é direito.
Procurado pela reportagem, o prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT) afirmou que está ciente do processo e do valor da indenização, mas que não se pronunciaria a respeito.
Entenda o caso
* Antes de 1977, a família Magnabosco doou um terreno com 57 mil metros quadrados ao município de Caxias para a construção da Universidade de Caxias do Sul (UCS). A doação ocorreu com encargos, sendo que a prefeitura deveria urbanizar as áreas remanescentes.
* Depois de anos, após constatar que a UCS não seria construída no espaço e que as áreas acordadas não tinham sido urbanizadas, a família Magnabosco ingressou com uma ação para reaver o imóvel.
* A essa altura, com o terreno invadido, a Justiça determinou que a ação se transformasse em indenizatória.
* Inicialmente, o processo da família Magnabosco era contra os invasores. Depois, em 1996, por solicitação de um juiz, o município foi incluído como réu na ação, com a justificativa de a prefeitura ajudou os invasores no assentamento (com instalação de água e luz). No processo, a prefeitura alega que agiu por questão de humanidade ao dar condições de moradia para as famílias.
* Uma perícia solicitada pela Justiça avaliou a área em R$ 53 milhões. A indenização, no processo, foi calculada com os seguintes critérios: em cima do valor da propriedade atual, com juros compensatórios de 12% ao ano e juros moratórios. Contando com isso, o valor total da indenização foi finalizado em R$ 345 milhões.
* O município entrou com recurso na Justiça, embargando essa quantia, alegando excesso de R$ 87 milhões.
* O advogado dos herdeiros Magnabosco, Durval Balen, percebeu o equívoco na conta dos juros pela contadora do Fórum e reconheceu que R$ 14 milhões estavam em excesso. Solicitou o afastamento desse valor a mais, mas pediu para que a ação de execução do pagamento proseguisse.
* Os R$ 304 milhões determinados pela justiça como indenização aos Magnabosco entraram no projeto das Diretrizes Orçamentárias do município porque o precatório foi levado ao Tribunal no ano passado pela família, e expedido antes do dia 30 de junho.
* Se o valor não for pago pelo município até o dia 31 de dezembro, a prefeitura passa a pagar juros. De acordo com o advogado Durval Balen, também pode haver uma intervenção do judiciário na prefeitura: o presidente do Tribunal pode determinar o afastamento do prefeito até que o judiciário consiga organizar os recursos municipais e quitar a dívida.
Justiça
Indenização milionária pode desestabilizar as contas de Caxias
Os R$ 304 milhões pedidos pela família Magnabosco correspondem a quase 20% do orçamento para investimentos em 2016
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