Se o aplicativo Uber é alvo da discórdia nas capitais do país, na turística Canela é um singelo triciclo motorizado que despertou a ira de taxistas. A dona de casa Juliana Ferreira Gomes, 37 anos, teve a ideia de transportar visitantes a bordo de um tuc-tuc, veículo de pequeno porte com espaço para o condutor e dois passageiros, típico do continente asiático. Foi o que bastou para o rebuliço. Os profissionais estariam considerando a proposta de Juliana como uma ameaça, a exemplo do lançamento do Uber na Capital, que provocou reações do prefeito José Fortunati e descambou para o espancamento de um motorista.
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O suposto boicote em Canela não chegou a esse extremo, mas começou antes da estreia. No início de novembro, Juliana percorreu o comércio local para divulgar o trabalho. Queria mostrar para a cidade os três triciclos que havia comprado em Manaus (AM), além de explicar por que um passeio a 40 km/h pode ser divertido e pitoresco. No caso do Uber, o público contrata o transporte de profissionais credenciados via internet, o que aumenta a concorrência por passageiros com taxistas. A dona de casa explica que não oferece carros, mas sim uma opção que leva o turista a pontos conhecidos da cidade, sem a necessidade de apanhar pessoas pelo caminho. No mesmo dia da divulgação, fiscais da prefeitura já estavam esperando pela empreendedora no escritório para exigir documentação.
- Queriam saber se eu tinha alvará, essas coisas. Daí descobriram que minha sala não tinha PPCI. Tive que providenciar a documentação, o que de certa forma estava correto - conta.
Para atrair futuros clientes, ela levou os veículos para demonstração na rua durante três dias. Foi um sufoco: teve táxi bloqueando a passagem do tuc-tuc ou grudando na traseira. Nas semanas seguintes, soube por conhecidos que havia pressão nos bastidores para impedir a liberação do serviço. Não satisfeita, Juliana contratou um advogado. Na semana passada, a procuradoria-geral do município emitiu parecer contrário à implantação. A mulher imaginava que seria obrigada a manter os veículos na garagem. A prefeitura, porém, voltou atrás na decisão e permitiu a operação com restrições: o tuc-tuc só pode realizar passeios marcados com o cliente saindo e voltando da agência.
Veículos parados
Para adquirir os três tuc-tucs, Juliana buscou financiamento em bancos. Também precisa pagar o aluguel da sala e o salário de um motorista habilitado. Com a exigência do PPCI, se obrigou a trocar de sala e gastar mais dinheiro para a alteração de endereço no alvará de funcionamento. Com tanta barreira pela frente, estava pagando contas sem retorno algum. Enquanto os tuc-tucs aguardavam por passageiros na garagem de casa, descobriu que um negócio semelhante está sendo implantado na vizinha Gramado.
- Antes de comprar os veículos, eu conversei com o secretário de Trânsito Gelton (Matos). Expliquei a intenção e ele não viu nenhum problema. Disse até que seria bom pra Canela. Depois, percebemos que outras pessoas não queriam o serviço - lembra.
Ela se assusta com a incompreensão da proposta:
- Nunca tive intenção de parar em qualquer lugar para pegar passageiros. A ideia sempre foi sair do escritório e levar a um ponto turístico como a igreja de Canela, por exemplo. O preço é diferente do táxi, não tem relação com esse serviço.
Prefeitura garante que agora a situação está regularizada
O procurador-geral do município, Gustavo Bauermann, garante que o funcionamento do serviço de tuc-tuc está regularizado. Ele informa que a demora se deu por conta da falta de alvará de agência de turismo, que permite atividades de fretamento.
- A legislação municipal não permite o transporte de passageiros sem o enquadramento nessa categoria - explica o procurador.
Com a documentação regularizada o serviço passou a funcionar. Os passageiros embarcam na agência do tuc-tuc e desembarcam no mesmo local. O veículo não pode pegar passageiros nas ruas e avenidas da cidade.
Os taxistas não têm sindicato que os represente no município. A categoria está ligada ao Sindicato dos Taxistas de Caxias do Sul. O presidente Adail da Silva disse que ainda não foi informado sobre a possível polêmica. Ressaltou, no entanto, que não concorda com o funcionamento do tuc-tuc, pois prejudica a frota de taxistas de Canela. Prometeu conversar com os taxistas para, depois, encaminhar alguma providência.