Diante do cenário de crise em que as nações e os seres humanos estão inseridos, há uma busca cada vez maior por um caminho menos tortuoso. Mas, é preciso ter uma meta além da aspiração material e profissional. É através de palavras de esperança que as pessoas acreditam na possibilidade de paz interior. O médium em atividade mais importante do país, Divaldo Franco, é um exemplo dessa disseminação dos valores humanos e da propagação do bem. O embaixador da paz esteve em Caxias do Sul na quinta-feira, em uma conferência da doutrina espírita realizada nos Pavilhões da Festa da Uva. Ele abriu espaço na agenda para conversar com a reportagem sobre temas do dia a dia, como violência e desemprego.
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Aos 88 anos, Divaldo possui mais de 250 obras publicadas, sete milhões de exemplares vendidos e 104 títulos traduzidos para 17 idiomas. Ao lado do amigo Nilson de Souza Pereira, fundou o Centro Espírita Caminho da Redenção e a Mansão do Caminho, em Salvador, beneficiando milhares de doentes e necessitados. Ele também já participou de mais de 13 mil conferências no Brasil e no exterior.
Na entrevista, Divaldo explanou seu ponto de vista sobre situações adversas enfrentadas pelos cidadãos. Para o médium, o mundo atual é sombrio. As pessoas estão mais imediatistas e, com isso, as decepções são ainda maiores. Apesar disso, ele vê um processo de mudança para melhor no mundo. Confira a entrevista:
O país passa por crise econômica e institucional. Na ótica espírita, por que isso está acontecendo?
Divaldo Pereira Franco: Esse é um momento histórico muito grave. A crise não é apenas no Brasil, é em todo o planeta. Variando de enfoque, cada país está enfrentando determinado tipo de dificuldade. Isto porque a grande crise da atualidade é de natureza moral. Há 250 anos, o pensador inglês Thomas Reid afirmou que a criatura do seu tempo havia perdido o endereço de Deus. Na atualidade diríamos que após haver perdido o endereço de Deus, perdeu o endereço de si mesmo e, por isso, o indivíduo aturde-se. O excesso de tecnologia e de ciência não proporcionou a anelada (desejada) paz. Abriu vários vieses para conflitos, necessidades e utopias. E, por consequência, o desenvolvimento da natureza tecnológica não foi imediatamente acompanhado pela natureza moral. É compreensível que numa sociedade utilitarista, individualista, sexista, os valores sejam muito imediatos e as decepções ainda mais rápidas. Em consequência, no Brasil, enfrentamos uma crise que não é de agora, ela se vem arrastando através dos tempos e piorando. Mas chegou ao grande momento, como ocorre aos tumores, em que eles atingem um nível e naturalmente precisam ser cirurgiados, e estão alguns deles sendo cirurgiados. Surpreendem porque nós estávamos acostumados a ver pessoas a quem denominávamos nobres, cidadãos e cidadãs honrados, e que de repente caíram do pedestal, pois suas bases não eram fincadas na dignidade e na altivez, mas sim nos escombros da própria indignidade humana.
Que tipo de lição é possível tirar do maus exemplos?
A grande lição é que nenhum crime fica completamente acobertado. E mesmo quando as pessoas não tomam conhecimento, a consciência do delituoso é despertada. Nada pior do que uma consciência de culpa. Graças a isso aumentam os índices da somatização de doenças por causa dos conflitos internos, a depressão, o transtorno do pânico e outros distúrbios de comportamento tomam lugar da falsa paz que antes nós apresentávamos como decorrência natural das ações que foram praticadas.
Diante de um cenário de desemprego e violência, como ter forças para enfrentar um mundo de desafios e expiações?
Mudando as próprias atitudes perante o mundo. Nós estamos acostumados a mudar de telefone, de aparelho cada vez que surge um novo exemplar, que é absolutamente desnecessário. Principalmente para indivíduos como eu que apenas utilizam para uma chamada telefônica ou ler alguma notícia. Mas há no individuo uma sede de consumismo que é uma projeção do ego, porque através do consumismo ele parece que se realiza, que ele vai ser projetado no contexto social mesmo sem poder. A crise faz o indivíduo se dar consciência e medir os seus próprios valores, chegando ao estado de percepção daquilo que pode e deve em relação ao que deve e pode.
Pesquisas mostram que o Rio Grande do Sul é o Estado com o maior número de suicídios e pessoas com depressão. Por que isso acontece?
Porque talvez os problemas em que se veem envolvidos os indivíduos sejam de maior urgência e inesperados. Acostumados talvez a um período frutífero de realizações edificantes, diante de uma necessidade, de uma reformulação de conduta, falta os valores éticos, as resistências morais. E como nós temos uma cultura dita religiosa, de uma conduta que é eminentemente materialista, o indivíduo foge. Seja pelo surto depressivo, a ausência das substâncias da alegria, a dopamina, a serotonina, a adrenalina, ou seja porque talvez não tenha aquela coragem de enfrentar o período negativo para reerguer-se. O edifício de luxo está plantado na lama e a árvore frondosa é também do charco da terra. É necessário considerarmos a própria fragilidade e o esforço que podemos fazer para transformar essa fragilidade em força.
A sociedade está mais individualista ou há maior preocupação com o próximo?
Por incrível que pareça, é individualista por aparência, mas nunca houve tanta preocupação pelo bem do próximo como hoje. Acontece uma peculiaridade: aquilo que é nobre caminha discretamente e, o que é vulgar, trombeteia. Uso muito uma expressão um pouco piegas: é que a virtude calça sapatos delicados pra não chamar a atenção, enquanto o crime trombeteia o funk para poder anunciar.
A violência cresce e as pessoas querem vingança, querem leis rígidas, querem morte, punição. Qual é o caminho?
Allan Kardec, o codificador do espiritismo, numa questão do Livro dos Espíritos, a 685, letra b, diz que há um método contra a impiedade e a violência: é a educação. Não a educação que se adquire através dos livros, mas a educação moral, a educação doméstica. Todos nós tivemos um lar, e muitos de nós ainda guardamos as pequenas e simples lições de nossos pais. Mas o que fazemos? Com o consumismo nós damos coisas, porque não nos queremos dar. Nós damos um aparelho para a criança se distrair, damos uma empregada de natureza virtual e estamos livres do filho. Vamos trabalhar e através dos sistemas modernos acompanhamos nosso filho como se fosse uma coisa. E quando ele tem um problema, a quem ele recorre? Ao outro semelhante, no futuro, ao traficante de drogas. Logo depois, ao outro inexperiente.
Que recado o senhor daria pra uma pessoa em dúvida, presa a um casamento que não dá certo, infeliz no trabalho, como ela pode encontrar uma saída?
O que está faltando a todos nós ou quase todos nós é uma reflexão quem sou eu. Afinal, o que eu quero. Então para que nós possamos saber qual é realmente a nossa polaridade física e polaridade psicológica, devemos fazer o exame não nos padrões exibidos pela mídia, mas das nossas aspirações, e o que é de melhor para nós. Eu tenho um amigo que o pai queria que ele fosse advogado, então ele foi ser advogado, porque o pai pagava os recursos. Ele recebeu o diploma e no dia seguinte disse: toma papai o diploma que o senhor comprou, agora eu vou ser agrônomo. Foi estudar agronomia que era o que ele queria.
Há correntes espiritualistas que acreditam que a Terra está passando por um período de transição para um período de regeneração. O senhor acredita nesta tese? Já se pode observar mudanças nesse sentido?
Especificamente o espiritismo é o pai dessa tese porque por volta de 1868, quando Alan Kardec publicou o livro A Gênese, no capítulo 14, ele fala dessa mudança. Para nós, os espíritas, o progresso é intérmino. Tudo envolve cada vez sob um aspecto: as criaturas, o processo antropológico, a humanidade e também os países e os mundos. Para nós há outros mundos habitáveis e a Terra seria como uma escola, uma fase inicial primária denominada pelos espíritos nobres como mundo de provas e de expiação. Mas evolui, e o próximo passo é o mundo de regeneração em que esses valores estrambelhados da conduta humana cedem lugar a outros valores éticos que nós perdemos. Então estamos num processo realmente de melhora, porém, quanto a paisagem, é sombria, meia-noite. É o momento máximo da noite. Um segundo depois é madrugada, ainda é noite, mas já é a madrugada. Nós podemos ver hoje através do nascimento crianças excepcionais, uma sociedade de indivíduos que aspiram a questões melhores e mais elevadas. Há uma mudança generalizada de padrão, de que indivíduos estabelecem novas metas para encontrar realmente a felicidade. Então cremos, nós os espíritas, que estamos em trânsito para um mundo melhor.
Pessoas se esforçam para criar uma imagem de felicidade, de riqueza e de vida perfeita que nem sempre vivenciam. Que sintoma é esse?
É sintoma de fuga da realidade. A psicologia chama de projeção do ego. Quando nós exibimos o nosso ego, nós saltamos por cima de todos, reais e aparentes, obstáculos. A criatura do século XXI é uma criatura fantasiosa. Nós estabelecemos como metas essenciais o prazer, o imediatismo, mas não queremos pagar o preço que é o trabalho, a reflexão, o amadurecimento psicológico e como dizem os melhores psicoterapeutas, as metas. As metas hoje são muito rápidas, a afetividade é um amontoado de palavras, o respeito pela criatura humana enquanto tudo está bem. Então a perda desses valores éticos nos aturde. Mas há uma rota de segurança que foi dada por Jesus há dois mil anos que é o amor. O amor como solução para todo e qualquer problema. Não o amor piegas, mas esse sentimento de respeito por dar ao outro o direito dele ser como é, e a nós nos exigirmos sermos cada dia melhores.
Qual a mensagem de esperança que o senhor deixa para um pai desempregado, para uma mãe que perdeu o filho, para alguém acometido de doença?
Que ame, começando o autoamor. Começando a não se desvalorizar, porque são ciclos. Há muita discussão em torno da evolução, uns dizem que a evolução é uma vertical, outros dizem que é uma sinuosa, outros dizem que é uma inclinada. Eu adoto o tipo da sinuosa. Nós estamos no ponto zero, começamos a ter cultura, a desenvolver sentimento intelectomoral, então ascendemos, mas como a vida é muito curta para aprendermos muito, fazemos uma pequena subida e paramos. Enquanto estamos assimilando, alguns valores se perdem um pouco, fazemos uma ligeira curva descendente. Através da reencarnação, nós agora começamos um outro ciclo de evolução e vamos ao infinito quando traçamos uma inclinada do ponto inicial a nossa meta. Jung (Carl Jung), o grande neurologista, psiquiatra suíço, dizia que a vida para ter um valor próprio tem que ter um sentido, um objetivo, uma meta. Quem não tem meta, é um peso morto na sociedade e alguém campeando para a autodestruição. A dificuldade financeira é terrível porque ela tira a dignidade, expulsa, torna-nos invisíveis, joga-nos ao chão. Mas autoamando-se haverá sempre uma possibilidade de recomeço. E nunca duvide da proteção de Deus, porque sou teísta, e durante 88 anos de teísmo nunca duvidei da proteção de Deus e cheguei a essa idade provecta.
Entrevista
Médium Divaldo Franco reflete sobre aflições como desemprego e violência em Caxias
O embaixador da paz ressalta que é preciso ter uma meta além da aspiração material e profissional
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