Corro sério risco de ser incompreendido, mas, vá lá.
A Samarco, a tragédia humanitária, o dano ambiental, o crime.
O pacote de barbaridades derramado em nossas salas igual lama contaminada é novo soco no estômago do brasileiro. Como se não estivéssemos fartos de notícias cruéis no país e no mundo, somos confrontados com as imagens e histórias que vêm de Mariana e que, até prova em contrário, poderiam ter sido evitadas.
As imagens e histórias que vêm de Mariana estão produzindo os efeitos previsíveis: sensibilizados, milhares de brasileiros estão concentrados em arrecadar água para enviar a Minas Gerais. O brasileiro, mais uma vez, exibe sua faceta solidária e arregaça as mangas para ajudar quem experimenta grandes dificuldades.
É louvável, eu mesmo levarei um galão de água até o aeroporto de Caxias hoje para engrossar os donativos. A água que levarei, contudo, será entregue sob sentimentos divididos, contraditórios, até. Primeiro, saberei que estarei ajudando alguém na distante Minas - e isso é bom; segundo, a água que levarei deveria estar sendo entregue, com sobras, pela Samarco, mas não está - e isso não é bom.
A linda solidariedade voluntária dos brasileiros sequer deveria ter sido despertada nesse caso da barragem.
A própria mineradora deveria ter abraçado todas as providências antes mesmo que a Justiça e o Ministério Público emitissem medidas contra a empresa. As filas de gente desesperada à espera de água cortou o coração de brasileiros de todos os quadrantes. Eu não devo ser o único cidadão a doar água desconfiado de que alguma coisa não está bem contada nessa história toda.
A empresa, embora se mostre disposta a assumir muitas responsabilidades, jamais deveria ter deixado a população sem água. A Samarco é um braço das multinacionais Vale (brasileira) e BHP Billiton (anglo-australiana). A mineradora mineira, pois, atua sob guarda-chuva poderosíssimo. Dinheiro para ajudar não falta, portanto.
Infelizmente, temo que as coisas se encaminhem para o habitual e brasileiríssimo desfecho. A empresa vai recorrer judicialmente de todas as sentenças e o caso vai virar mais uma infindável novela.
A cada 5 de novembro, ano após ano o país vai recordar do acontecimento como mais uma das grandes tragédias brasileiras.
Em troca da água que doamos, deveríamos cobrar providências da empresa e rigor das autoridades.
Opinião
Gilberto Blume: não devo ser o único doador de água aos mineiros desconfiado de que alguma coisa não está bem contada
Em troca da água que doamos, deveríamos cobrar providências da empresa e rigor das autoridades
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