Resgatar os valores humanos e espirituais de dependentes químicos. E de porteiras abertas. Esses são os princípios do trabalho desenvolvido na Comunidade Terapêutica (CT) da Pastoral de Apoio ao Toxicômano Nova Aurora (Patna), localizada no Travessão Santa Tereza, a 10 quilômetros do Centro de Caxias. A fazenda, como é chamada, é cercada pela natureza. Um recanto de paz, de meditação.
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Lá vivem 25 residentes, ex-usuários de drogas e álcool, que tentam se reencontrar para voltar a viver na sociedade, livres do vício.
São 2,5 hectares de terras, doados pela família Rizzo, que começou sem nenhuma estrutura. Graças ao trabalho de um grupo de voluntários, mais de 6 mil pacientes já passaram pelo local. Desses, 400 completaram o tratamento de nove meses de internação e se reintegraram à comunidade.
A estrutura conta com casa de acolhimento, cozinha, casa administrativa, CT de adolescentes (em reforma), CT de adultos (com capacidade para 40 pacientes), piscina, sacrário e muito ar puro. Sessenta pessoas estão envolvidas no trabalho de recuperação - 20 são remuneradas. Tudo muito bem cuidado pelos internos. A horta e o jardim são um luxo. Eles se revezam nas tarefas e cuidam de tudo com muito capricho e carinho.
Aos 20 anos de existência, o desafio é como manter essa estrutura. A presidente e psicóloga da Pastoral, Neura de Boni Santos, explica que a instituição se mantém com doações de empresas e amigos. Além de uma parceria com o Conselho da Criança e do Adolescente (Condica), a entidade tem um convênio com o Ministério da Justiça, que não repassa verbas há três meses.
- Não sabemos como pagar o 13º salário dos funcionários. Estamos entrando em desespero - destaca Neura.
Em média, são necessários R$ 45 mil por mês para manter as contas básicas em dia. Um trabalho nada fácil, mas que vale qualquer sacrifício.
- Quando conseguimos recuperar uma pessoa, já valeu a pena qualquer esforço - diz a presidente.
Doações podem ser feitas na agência Banrisul: 0606.06001303.3-7 (Patna Sebe).
Tudo começou com um terneiro
A Comunidade Terapêutica só chegou aos 20 anos graças ao trabalho de um grupo de mulheres guerreiras. Elas tinham as terras, mas como e onde buscar dinheiro e forças para começar a montar a estrutura? Foi preciso coragem e muita determinação. Uma das fundadoras da Patna, Maria de Lourdes Grison, a Lurdinha, reconhece que, em muitos momentos, faltou coragem para começar. Um dia, porém, uma pessoa doou um terneiro. Ela pensou: "o que vou fazer com um terneiro, onde vou colocá-lo?". A resposta chegou em poucos minutos. Tinha uma fazenda para ele morar.
- Interpretei isso como um chamado de Deus - diz Lurdinha, 60 anos - quase metade dedicados à Patna.
A partir daí arregaçou as mangas e foi à luta juntamente com as amigas Sandra Gazzola, que há 27 anos começou tudo na Patna, e Nadir Zatta, hoje com 80 anos. Elas deram o pontapé inicial no trabalho. Os voluntários foram chegando aos poucos e formaram uma equipe de cerca de 20 pessoas.
- Tiramos muitas pedras do terreno - lembra.
Debaixo delas, dezenas de aranhas perderam sua moradia para dar lugar à Comunidade. Junto com o terreno veio de herança uma casa antiga. Foi restaurada e organizada para que funcionasse tudo no mesmo espaço - cozinha, alojamento, sala de orações. Os primeiros oito residentes a ocupar o lugar foram instalados em dois quartos da casa.
A voluntária Lóris Leonardi Magalhães, 70 anos, entrou para a equipe por meio da dor. Procurou a Patna para tentar internar o filho, usuário de crack. Conseguiu, ele ficou bem durante sete anos, voltou para a droga e acabou perdendo a vida aos 33 anos. Lóris se manteve firme e buscou no voluntariado forças para seguir em frente. Nunca mais saiu de lá. Ajudou a construir a comunidade.
- Esse trabalho é a minha vida. Ajudar sem esperar nada em troca é muito bom. Ajuda a me manter viva - revela Lóris.
O resultado chega por meio de abraços, de muitos obrigados e, o mais importante, da satisfação de poder ver um dependente químico voltar a viver.
"É preciso aceitar as renúncias"
Rudnei Sperafico, 36 anos, é monitor de um grupo de residentes na Comunidade Terapêutica da Patna há 4 anos. Se considera livre das drogas e do álcool há mais de cinco anos. Chegar a esse patamar não foi fácil. Foi necessário admitir que era um drogado e aceitar a muitas renúncias. Tem consciência, por exemplo, que precisa ficar longe para sempre do primeiro gole de álcool. Caso contrário, corre o risco de beber um "caminhão" no dia seguinte.
Ele teve contato com a bebida ao oito anos de idade, em uma festa de aniversário de criança. Ele via os adultos tomarem e se perguntava por que ele não podia. Resolveu experimentar um gole de cerveja. Achou-a amarga, ruim. Colocou açúcar. Gostou!
Daí para a cocaína foram seis anos e para o crack mais um. Era um guri tímido e buscava nas drogas a euforia para conversar/namorar com as meninas. Só buscou ajuda aos 31 anos.
- Permaneci no mundo das drogas por 15 anos - revela.
Passou por vários grupos de ajuda e chegou à comunidade da Patna. Foi onde se encontrou. Depois da internação, passou a trabalhar como monitor e é exemplo para os residentes.
- A CT representa o despertar para a vida. Descobri que por meio da desgraça, alcancei a graça - confessa Rudnei.
Ele aprendeu que é possível ser feliz com as coisas simples. Casado e com o apoio da família, ele deixa um conselho para os jovens.
- Não queiram ser os donos da razão. Escutem, ouçam as pessoas do bem que estão ao teu redor. Não entrem nessa furada!
Programe-se
Dois eventos estão sendo preparados para arrecadar fundos e manter a Pastoral.
1/12 - Jantar Noite Feliz, no restaurante Di Paolo, do bairro Lourdes: ingressos a R$ 120
5/12 - Brechó infantil, na sede da Patna (Rua Pinheiro Machado, 100)
Serra
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Ivanete Marzzaro
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