Aos cinco anos, Pedro Henrique Bica Vieira, 11, já havia decidido a profissão que quer seguir no futuro. Aluno do 5º ano da Escola Municipal Rosário de São Francisco e frequentador da Casa Anjos Voluntários no contra turno do colégio, o guri quer ser desenhista.
Vive com a avó Ângela Ribeiro, 44 anos, que o criou, e dois tios, Camila, 20, e Christian, 21, no Loteamento São Gabriel. Sente saudades da mãe e da irmã de dois anos, que não moram com ele e com quem costuma conversar por telefone.
Os planos mais imediatos de Pedro são participar do programa Menor Aprendiz, quando estiver no 8º ano, e cursar uma faculdade - pode ser o primeiro da família a chegar aos bancos universitários. Ele nem sabe ainda, mas essa decisão pode ser transformadora.
Uma ideia parecida foi capaz de modificar uma cidade por completo e pode servir como exemplo, também, às cidades da Serra. Florianópolis mudou de vocação graças ao investimento em ensino e tecnologia. Atualmente, tem 40% dos trabalhadores com ensino superior - a média no Brasil é de 16% - e 31,4% dos habitantes na mesma situação - Caxias tem 10,3%.
Em três décadas, tornou-se um modelo de sucesso reconhecido nacionalmente, uma espécie de Vale do Silício brasileiro. Já na década de 1980, a cidade tinha duas universidades públicas de qualidade - Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) -, com destaque para os cursos de engenharia mecânica e administração. Ainda assim, o mercado não era promissor, o turismo era a principal atividade econômica, e o funcionalismo público a principal 'força produtiva'. Ou seja, incapaz de reter talentos, Florianópolis exportava mão de obra qualificada.
Um estudo desenvolvido pelo European Institute of Comparative Urban Research (Euricur) sobre estratégias inovadoras, aponta que, embora muitas cidades com economias emergentes continuem a prosperar, há um grau de incerteza grande sobre se tal crescimento pode ser sustentado.
Entre as características que elas precisam ter para serem competitivas globalmente, a qualidade de vida é fator determinante. Ao lado dela, aparece a importância da presença de universidades capazes de formar mão de obra especializada e de fazer pesquisa de ponta. Ou seja, bom nível educacional é um percurso imprescindível para ser competitivo mundialmente. A pesquisa aponta, também, que as cidades não são apenas receptoras passivas de um contexto externo - elas também podem moldar o próprio desenvolvimento.
Série "A Serra que Queremos" reflete sobre o futuro da região
Aposta que deu certo - Projetar o que gostaria de ser no futuro foi justamente o que fez a capital catarinense. Em 1986, foi criada a primeira incubadora de startups da cidade, o Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), para promover a economia e aproveitar os talentos egressos da universidade.
- Tínhamos a certeza que isso iria mudar a cara da cidade, mas, na década de 1980, a UFSC tinha apenas um computador - lembra o diretor executivo do Celta, Tony Chierighini.
- Apesar das boas universidades, não havia emprego para aqueles que se formavam - conta o presidente da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), Guilherme Bernard.
O Celta já colocou no mercado 83 novas empresas, que faturam R$ 6 bilhões, considerado o maior volume de faturamento de empreendimentos nascidos em incubadoras do país.
- Hoje o setor representa cinco vezes mais do que o PIB do turismo _ destaca Chierighini.
Bernard aconselha às novas empresas (de qualquer ramo que sejam): nada se muda de um dia para o outro. Ele recorda que Florianópolis não tinha uma economia consolidada, que o desenvolvimento não foi planejado, mas o progresso foi acontecendo a partir da crença em um potencial inexplorado.
A Acate foi fundada há 29 anos, coincidindo com o início do desenvolvimento do Polo Tecnológico de Florianópolis, e reúne dados sobre as empresas do setor tecnológico de Santa Catarina. A tecnologia da informação, atualmente, emprega cerca de 7 mil profissionais e fatura R$ 1,5 bilhão/ano.
- Ouvi um reitor de Stanford falar que uma cidade, para se desenvolver, precisa de boas pessoas e de reinvestimento nos setores produtivos - destaca.
Foi a tecnologia, segundo ele, que ajudou a profissionalizar o turismo e, por causa disso, alavancou a construção civil, o turismo de negócios, entre outros setores. O progresso é tão significativo que a terceira geração de empreendimentos segue experimentando o sucesso.
Diretor comercial da Involves, Rodrigo Lamin afirma que a tecnologia possibilita a uma empresa pulverizar o produto de forma global, sem precisar ter uma sede enorme. A empresa criada em 2008 é considerada uma scale-up, marcado pela alta geração de empregos, crescimento muito acima da média e pelo comando de jovens empreendedores.
Ela é a responsável pelo desenvolvimento do Agile Promoter, uma plataforma de gestão de trade marketing e merchandising em tempo real, utilizada por empresas que atuam em segmentos como alimentos e bebidas, eletroeletrônicos, informática e cosméticos.
Essa experiência bem sucedida o inspira a sugerir a adesão ao próprio modelo. Segundo ele, as empresas da Serra podem adotar um sistema de vendas não tradicional, com suporte em marketing de atração - uma forma de publicidade on-line na qual uma empresa se promove através de blogs, podcasts, vídeo, eBooks - que são uma realidade nos Estados Unidos, mas pouco explorados pelas empresas brasileiras.
- Estamos na contramão da crise. De 2010 a 2013, nossa empresa cresceu 100% ao ano, no ano passado, 150%, e neste ano a projeção é superar em três vezes 2014 - projeta.
As projeções de Pedro Henrique também são ousadas. Depois de formado, enxerga-se como um profissional de sucesso, mesmo que não consiga dimensionar isso direito.
- Quero comprar uma Ferrari, casar, ter filhos e morar numa mansão - diz o menino, que atualmente divide o quarto com a avó e só anda de ônibus se estiver acompanhado.
Mas isso ainda não basta para Pedro:
- Na cidade do futuro, as pessoas deviam ter superpoderes para fazer o bem.
A Serra que Queremos
Como o investimento em ensino e tecnologia pode mudar o futuro
Florianópolis transformou-se graças à aposta em uma nova vocação e hoje é referência nacional
Tríssia Ordovás Sartori
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