Apesar da corrupção, das decisões políticas enfiadas goela abaixo da população, da rediscussão sobre a comercialização de armas, da crise e da inflação, da chuva sem fim, do imobilismo em Brasília, da Dilma, do Lula e do Cunha, apesar de tudo o mundo cá fora segue absolutamente normal, sem surpresas dignas de nota (esqueçamos os mil trabalhadores que perdem o emprego mensalmente em Caxias: esse exército de cidadãos integra o que eufemisticamente podemos chamar, e chamamos, de reestruturação da economia nacional).
Seguimos estacionando onde dá na telha. Pior, quem deveria dar o exemplo se comporta igual a quem tanto criticamos na cena brasileira. Exemplo: ontem um carro oficial da prefeitura parou nas vagas destinadas aos ônibus que levam turistas à Casa de Pedra. O carro era ocupado por um secretário municipal. A autoridade estava acompanhada de três guardas municipais. Na segunda, a mesmíssima vaga pintada de amarelo foi vergonhosamente ocupada por uma viatura da Brigada Militar. Havia dois PMs na viatura. As duas infrações, na segunda e na terça, ocorreram perto do meio-dia.
Sobra alguma brecha para cobrar decência do cidadão comum se os exemplos que vêm ali de cima são os piores possíveis?
Ontem foi o dia.
Cedo da manhã, estava a caminhar quando fui surpreendido por outra cena enojante. Um carro parou no acostamento, uns 300 metros a minha frente, e permaneceu com o motor ligado por alguns instantes. A porta do carona foi aberta e um cachorro resultou lançado na calçada. A porta foi fechada, o carro retomou o rumo e o cão.... Bem, o cão ficou por ali, farejando o desconhecido, demarcando o novo território com xixis intermitentes. Quando me aproximei, o bicho saiu correndo, enveredou por um terreno baldio e desapareceu. É um cão preto, de pequeno porte, bonito, vestia coleira no pescoço, com raça indefinida. A raça indefinida do cão refugado é uma baita qualidade perto da raça bem definida do desalmado irresponsável que o abandonou.
Pouco adianta condenar as más ações do andar de cima se aqui no rés do chão cometemos pecadilhos à altura das nossas possibilidades. Pudéssemos, pecaríamos mais.
Opinião
Gilberto Blume: sobra alguma brecha para cobrar decência do cidadão se o exemplo que vem ali de cima é o pior possível?
Pudéssemos, pecaríamos mais
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