Dona Salete era uma velhinha assustadora. Usava vestidos de renda costurados à mão. Todo mundo tremia quando ela arrastava os tamancos pelas calçadas da rua. Tinha fama de comer criancinhas malcriadas e envenenar outras com balinhas de menta. As mães diziam para os filhos não se aproximarem de dona Salete. Ficavam com medo que a velha fizesse alguma coisa. Mas ela nem ligava, ficava rindo alto e, como se isso não bastasse, carregava sempre uma vassoura a tiracolo. Mais tarde descobri que dona Salete fazia de propósito, por desaforo da vizinhança que não lhe cumprimentava.
Certa vez uma vizinha teve uma crise daquelas nos rins. Dona Joana, mãe do Guilherme, um dos meus amigos de infância, tinha discutido com dona Salete por nossa causa. Estávamos jogando bola na rua e o pé torto do Guilherme chutou na janela da velha. Dona Salete ficou possuída. Saiu armada com vassoura em riste atrás de nós. Guilherme só gritava "mãeeeee, mãeeeee, mãeeeee", e eu nem lembro se gritava alguma coisa. Acho que não conseguia pronunciar nada de tanto medo. Sei dizer que no meio do caminho a mãe do Guilherme apareceu para nos salvar. Discutiram feio. Dizem que as dores nos rins de dona Joana foi praga da bruxa, mas até hoje ninguém conseguiu provar.
A lenda da bruxa Salete era grande no bairro. Com quem ela brigava, algo acontecia. Ninguém sabia como, mas que acontecia, acontecia. Depois dessa briga e passada as dores nos rins da dona Joana, um outro fato chamou atenção. Tínhamos um jogo importante contra o Flamenguinho, nosso rival da rua, e não podíamos perder de jeito nenhum. Valia um engradado de refrigerantes e, se bem me lembro, ninguém do meu time tinha algum tostão no bolso. Era vencer ou correr.
O jogo estava difícil. Nossos melhores jogadores estavam anulados. A bola não chegava. Eu era o atacante, o artilheiro, mas não conseguia nem tocar nela. No primeiro tempo, não chutamos uma bola a gol. E no segundo, tomamos 1 a 0 logo de cara. Só que o Diguinho ficava me enchendo o saco na lateral do campinho: "Deixa eu entrar, deixa eu entrar". Diguinho era meu reserva. Um pereba. Só estava no time porque era o dono do uniforme. De tanto ouvir aquilo e vendo que o meu futebol estava numa tarde infeliz, chamei Diguinho e saí de campo. O pessoal protestou. Eu era a esperança de gols, do empate, da virada. E do refri.
Diguinho só era para entrar quando faltava um minuto, não com mais de cinco. No primeiro lance, Diguinho dominou a bola meio de lado e deu um balão para a frente. Ninguém conseguiu pegá-la e ela foi parar no fundo do gol: 1 a 1. Chegamos a comemorar, mas não acreditávamos. Faltando um minuto para terminar a partida, Diguinho recebeu um passe na lateral, fez uma firula inacreditável e emendou uma bomba. Golaço! Era o gol da vitória. O gol do refri. Mas Diguinho não ficou para tomar sequer um gole, teve que sair para vender os bolos da dona Salete. Era o único amigo da bruxa. Se dona Salete fez alguma coisa para Diguinho jogar bem, eu não sei, mas enquanto ele entregava os bolos, jogava direitinho.
Talvez a Seleção Brasileira tenha brigado com dona Salete. Só pode ser uma bruxaria dessa velha. Uma história tão grande, gloriosa, indo para o ralo desse jeito. Tomar 7 a 1 da Alemanha na Copa do Mundo, perder para o Paraguai na Copa América, levar uma pancada do Chile. Isso só pode ser bruxaria. Alguém fez algum mal para ela, talvez o Felipão, talvez o Dunga. A péssima fase parece não ter fim. Só vejo duas saídas para a Seleção: fazer as pazes com a bruxa Salete ou convocar o Diguinho. Ou, quem sabe, trocar o Dunga pelo Tite.
Opinião
Adão Júnior: quando que a bruxa Salete vai fazer as pazes com a Seleção Brasileira?
Aos sábados, jornalistas do Pioneiro publicam crônicas sobre assuntos diversos
Adão Júnior
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