Raquel Fronza: Antes de reclamar desse calor fora de época, lembre que tem gente feliz por economizar sofrimento

Bronquite, rinite, asma e todos os meus problemas respiratórios sempre foram suficientemente incômodos para que eu não me tornasse a maior fã do inverno. A estação mais fria do ano para mim era, também, a com maior frequência de visitas ao médico. Superada essa fase mais crítica, comum na infância, passei a admirar o charme do inverno - sempre com um antialérgico no bolso, claro. Coleção de mantas e lenços, casacos de lã. Tudo ia muito bem no meu mundo imaginário, até que comecei a escrever a série de reportagens sobre a Campanha do Agasalho, há dois meses.

Não era uma manhã com temperatura tão rigorosa, mas exigia um traje mais reforçado. Antes de sair para a reportagem, ouvi elogios sobre a roupa que eu vestia - nada especial, eu achava, somente uma jaqueta nova. Saí animada para visitar uma família no bairro Esplanada. Quando o carro do jornal estacionou na moradia próxima do aeroporto, senti vergonha pelos elogios que escutei anteriormente. Preferia não estar de roupa nova. Era a mãe Ana Claudia Borges, de 31 anos, que sustenta os seis filhos com Bolsa Família. Eles aguardavam as peças de roupa que eu entregaria, cedidas por uma colega do Jornal Pioneiro. Frestas entre as paredes, crianças de pés descalços, de manga curta. A resposta que Ana me deu quando perguntei se ela simpatizava com a estação define bem a situação dela e de milhares por aí.

- Não tem essa de gostar ou não. Faz parte da vida. O inverno chega e você tem que viver ele. E tem vezes que ele dói.

Dói, mesmo, Ana. Dói quando empilhamos roupas no nosso armário, quando reclamamos do frio mesmo vestindo camadas de blusas quentinhas de lã, quando ignoramos o sofrimento alheio. O inverno é, sem dúvida, charmoso. Mas fica mais lindo ainda quando estendemos a mão ao próximo. É difícil chamar de inverno uma estação em que a temperatura média está acima dos 20ºC, mas antes de reclamar desse calor fora de época, lembre que há dezenas de famílias como a de Ana Claudia felizes por economizar sofrimento.