Não, não tinha. Não tinha pedra nenhuma no meio do caminho, e no meio do caminho não tinha uma pedra. Nunca teve. Não tinha uma pedra, nem duas, nem pedregulho, nada. Chega uma hora em que se faz necessário desmistificar as coisas e, lamento revelar, mas o caminho estava livre e desimpedido, como sempre estivera. Quem botou aquela pedra lá, meus senhores, minhas senhoras, fomos nós, e desprovidos de qualquer motivação poética. Pronto, falei.
A verdade é que fizemos aquilo movidos por um daqueles típicos arroubos juvenis inexplicáveis que acometem as gentes quando elas são adolescentes e sentem vontade de fazer uma travessura da qual possam rir mais tarde, narrando aos amigos, para ver se ganham pontos na escala de popularidade entre os colegas e, principalmente, entre as colegas, pois é imperioso pavonear-se de atitudes sem sentido para se fazer notar, como bem sabe quem já foi (ou ainda é) adolescente alguma vez na vida. E nós não éramos diferentes. Quando nos demos por conta, já estava feito, e o caminho, de uma hora para a outra, passou a ter uma pedra, bem no meio.
Éramos três, os patet... digo, os amigos envolvidos na trama que, a bem da verdade, em nada foi tramada, mas, sim, deu-se de supetão. Um de nós já era maior de idade e tinha um Jipe cor salmão, muito velho, com o qual passeávamos pelas ruas emparalelepipedadas de Ijuí nas horas vagas das aulas. O dono do Jipe lá na frente e nós dois (eu e o outro amigo) na parte traseira, saltitando com os solavancos. E, dentro, havia uma grande pedra, que era usada a título de calço de roda para estacionamento, uma vez que o veículo andava desprovido de freio-de-mão. Ao subirmos uma ladeira, olhamo-nos um para o outro e tivemos a mesma ideia ao mesmo tempo: abrimos a porta traseira e pimba: arremessamos a pedra fora, que rolou por alguns metros e parou, no meio do caminho, pedra que era.
Ato totalmente sem sentido, mas que rendeu e rende até hoje boas risadas. Afinal de contas, decidimos que, naquele momento, havíamos materializado em atos a essência de uma grande poesia. Nem que fosse a réstia de poesia que talvez resida em uma pequena traquinagem de adolescente. A partir dali, fomos aprendendo a desviar das pedras que se interpunham em nossos caminhos. Como sempre digo, tudo pode ser metáfora. Até a pedra no meio do caminho de um poeta e de um bando de adolescentes.
Opinião
Marcos Kirst: no meio do caminho não tinha uma pedra. Nunca teve
Quem botou aquela pedra lá, meus senhores, minhas senhoras, fomos nós
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