Fosse possível recuperar a curto prazo os impostos em atraso de empresas do Nordeste Gaúcho e aplicá-los diretamente na região, haveria recursos para solucionar o gargalo rodoviário, amenizar a crise hospitalar, construir presídios, recuperar escolas ou até mesmo viabilizar o travado aeroporto de Vila Oliva, em Caxias do Sul. O montante também serviria para zerar o déficit do tesouro estadual por um ano ou até para pagar a atual dívida do Estado com os credores.
Essa projeção leva em conta o débito de contribuintes com o fisco estadual. A Serra é responsável por 14,5% das dívidas tributárias acumuladas ao longo de anos no Rio Grande do Sul. Levantamento da Secretaria da Fazenda, a pedido da reportagem, mostra que R$ 5,25 bilhões em impostos pagos pelo cidadão no ato da compra deixaram de ser recolhidos pelas empresas aos cofres públicos em 52 municípios da região. Em todo o RS, a dívida dos chega a R$ 36 bilhões, especialmente com Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Se a cifra é altíssima, pelo menos dois terços dessa fortuna são quase irrecuperáveis, uma tendência no Estado. O motivo é simples: há débitos de empresas falidas sem patrimônio para penhora, caso de uma distribuidora de cigarros em Caxias com pendência de R$ 90 milhões em ICMS.
O tamanho da dívida também tem uma explicação além da sonegação e do endividamento tributário: dos R$ 5,25 bilhões em débito, 83% do valor integram ações de cobrança judicial. É uma manobra necessária, mas sem garantia de retorno a médio prazo. Como os processos são estendidos por meio de recursos, o desfecho de uma única ação de execução fiscal leva oito anos, em média.
Apesar de as dívidas prescreverem em cinco anos, é possível protelar a cobrança dos tributos na Justiça por tempo indefinido, o que não significa eficácia. Diante da suspensão temporária da ação, por exemplo, a Secretaria da Fazenda mantém a busca por valores passíveis de embargo. Num caso de sonegação de imposto com má administração da empresa, a Receita redireciona a cobrança para os sócios ou sucessores. Na maioria das vezes, entretanto, sócios e herdeiros não possuem bens disponíveis para penhora e podem contestar a ação de diversas formas.
Há ações de empreendimentos fechados há mais de 10 anos em Caxias cuja busca por valores ainda prossegue. O processo mais antigo na área de abrangência da 3ª Delegacia da Receita Estadual (3ª DRE) tem quase 50 anos e se refere a um matadouro de Lagoa Vermelha. Por esse motivo, boa parte dos créditos se torna irrecuperável, inchando a dívida.
Estimativa da delegacia é de que mais de 90% dos valores com o fisco no Nordeste Gaúcho têm origem nas empresas. Pessoas físicas, também numerosas, respondem por montantes relativamente baixos. A maioria dos devedores está concentrada em Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Farroupilha.
- O que as empresas devem são valores que efetivamente foram arcados pelo cidadão, quando da compra da mercadoria cujo valor já está embutido. Salvo exceções, as empresas são meras repassadoras dos recursos ao Estado - complementa o delegado adjunto da 3ª DRE, Magno Friedrich.
A média mensal recuperada pela delegacia de Caxias neste ano oscila entre R$ 10 milhões e R$ 11 milhões.
DÍVIDA ATIVA NO NORDESTE GAÚCHO
- Abrange 52 cidades sob a responsabilidade da Delegacia da Receita Estadual de Caxias do Sul
- Seguindo a tendência do Estado, 70% do total de 5,25 bilhões da dívida dos contribuintes (ou R$ 3,67 bilhões) é "moeda podre", dinheiro que o Estado não tem perspectiva de recuperar pois são débitos de empresas falidas e que não deixaram bens para leiloar.
- Os outros 30% (ou R$ 1,57 bilhões) é o montante que o Estado entende ser possível reaver por meio de cobrança judicial ou administrativa. Inserido no caixa único do RS, esse recurso seria suficiente apenas para cobrir o déficit orçamentário por quatro meses. Revertido apenas na região, poderia ser usado em obras importantes de infraestrutura, por exemplo.
SAIBA MAIS
O que é dívida ativa:
- É o dinheiro que pessoas e empresas devem ao poder público. No caso do RS, 99,3% são tributos não pagos. O principal é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
- O ICMS devido representa 98,2% do passivo. Os demais tributos que compõem a dívida são o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD).
A dívida mais antiga no Estado:
- É de 1965 e envolve o não pagamento do antigo Imposto sobre Vendas e Consignações. A cobrança ficou suspensa por anos na Justiça. Em 2012, o pagamento foi parcelado em 60 meses. Hoje, o saldo devedor é de R$ 37 mil. Como a empresa buscou a regularização, o Estado mantém a identificação em sigilo.
A dívida mais antiga na Serra:
- É de 1969 e envolve o não pagamento de tributos de um matadouro de Lagoa Vermelha.
As desistências:
- Desde 2010, uma lei estadual autoriza os procuradores do Estado a desistirem de ações consideradas inviáveis.
- Nos últimos três anos, foram extintos 10 mil processos. A intenção é ampliar o número para concentrar esforços nas ações de cobrança consideradas viáveis.