Assim que desembarcou em São Sebastião do Caí, em 22 de dezembro de 1883, o italiano Paolo Rossato, então com 29 anos, escreveu a primeira carta endereçada à família que ficou em Valdagno, na região do Vêneto. O homem franzino, de 1m66cm, estava acompanhado da mulher, Rachele Massignani Rossato, 22, e em um pedaço de papel quadriculado tratou de avisar que, ao contrário do que muitos contavam, ele havia encontrado a cucanha.
Relatou a ajuda do governo brasileiro, a fartura de laranjas a serem colhidas e como a paisagem do novo lugar se parecia com a de casa - segundo tese da professora italiana Valentina Baldan, ele vivia em uma velha casa em Contrada Lora. Em 1º de janeiro de 1884, Paolo e Rachele ocuparam a terra em São Marcos da Linha Feijó, na propriedade que pertence hoje ao sobrinho-neto Dirceu Rossato, 60. De lá, enviou outras 18 cartas e, incrivelmente, em janeiro do ano seguinte, todos os parentes vieram para Caxias do Sul - "tutti senza denaio" (todos sem dinheiro), como avisaram em uma das correspondências antes de partir.
- Muita coisa se perdeu. Os mais velhos se vão e com eles a história. Essas histórias ficaram porque guardamos as cartas - explica Dirceu, neto de Marcelino, um dos três irmãos de Paolo.
Se não fosse assim, ficaria difícil reconstituir um dos mais poéticos relatos sobre a esperança na saga dos imigrantes - "lá éramos servos, aqui somos senhores", registrou em abril de 1884. Esse tom otimista contrastava um pouco com a realidade da colônia Caxias na época: tinha apenas nove anos, estava distante dos principais centros, não tinha ferrovia e não podia ter estrutura comparada à da Itália.
Mas Paolo tinha noção de que o transporte seria um problema imediato para quem decidisse vender algo para fora da colônia e encomendou ao pai, ainda na Itália, que trouxesse duas rodas de carreta. Os objetos foram alvos de sarcasmo por parte dos outros imigrantes, por acreditarem que os Rossato estavam invertendo a lógica - construindo carretas antes de construir estradas.
Paolo foi um visionário e, com a chegada dos irmãos, a família foi a pioneira no comércio e indústria do vinho em Caxias. Em 1888, as polêmicas rodas importadas levaram vinho a Porto Alegre pela primeira vez. A carreta carregada de barris de vinho e puxada por dois burros inaugurou o comércio com a capital da província do Rio Grande do Sul.
Dirceu mantém a atividade da família, vive em frente à casa de Paolo e guarda com orgulho as cartas. Sabe que o material conservado diz tanto sobre a identidade dele quanto o trabalho que herdou do pai e do avô.
Alguns trechos das cartas de Paolo:
:: "Caro pai, você deveria ver que bela colônia comprei! Está bem colocada e deve ser boa. E se visse quanta lenha existe nela! Em Valdagno seria rico quem tivesse tanta madeira. Lá éramos servos, aqui somos senhores"
Italianos da Serra
"Lá éramos servos, aqui somos senhores", escreveu Paolo Rossato
Imigrante mandou cartas aos familiares e os convenceu a deixar a Itália
Tríssia Ordovás Sartori
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