As cartas que o representante farmacêutico Vilson Toscan, 54, troca com os parentes na Itália são escritas na língua materna. Natural de Nova Pádua, só aprendeu o português aos 17 anos, quando veio viver em Caxias.
O dialeto não era só o idioma caseiro, era a ligação mais próxima dele com a Itália. Graças ao talian conseguiu descobrir laços mais profundos com os antepassados e mantê-los por meio de linhas escritas a caneta. Integrante do grupo teatral Míseri Coloni (que se apresenta em dialeto), estava em uma turnê pela região do Vêneto em 1994, quando, na última daquelas noites, apresentou-se em Possagno.
A cidadezinha de 2 mil habitantes conserva uma característica idêntica à das cidades de imigração italiana - "de qual Toscan tu és?". Ao ver o mesmo sobrenome de um conhecido, uma senhora levou Vilson ao "parente" italiano, que vivia a 2 quilômetros de lá, em Cavaso del Tomba. Assim, foi apresentado a Sabino Toscan, 54.
- Já se passaram 20 anos e eu ainda me emociono. Não fomos criados juntos, mas quando o achei, encontrei minhas raízes na Itália. Chorei durante dois dias seguidos - relata o brasileiro, secando as lágrimas e lembrando que na época não existia internet, e as ligações telefônicas eram raras e caras.
Sabino ficou surpreso. Não conseguia entender a emoção de Vilson, porque sequer sabia que tinha familiares no Brasil.
- Aqui ninguém conhecia a história da imigração, ela havia se perdido. As pessoas nunca mais tiveram contato. Até o início dos anos 1900 se escreviam cartas, mas depois veio a guerra, muita gente morreu. Os velhos que tinham os endereços das famílias também morreram e tudo acabou. Por quase 100 anos estivemos sem contato, sem saber de nada. Essa visita foi uma surpresa enorme, porque abriu uma nova página de história entre nós e eles - explica Sabino.
Do contato, surgiu a curiosidade de saber mais, o estímulo para dar início a uma pesquisa sobre os Toscan. O parentesco entre eles é de sete ou oito gerações, mas isso é só um detalhe.
- Fizemos um pacto de irmandade, é muito forte - diz Vilson.
Foi dele a iniciativa de começar a escrever cartas, que são guardadas numa pasta por Sabino. No Natal de 1994, ele mandou um cartão para testar a reciprocidade de Sabino. Ou, como prefere dizer, "jogou o anzol e deu peixe". Costumam conversar seguidamente - normalmente por Skype.
A família italiana veio ao Rio Grande do Sul há 15 anos e conseguiu dimensionar o que parecia improvável. A mulher de Sabino, Annalisa, ficava impressionada com esse sentimento de italianidade:
- Existe uma nostalgia de uma Itália onde nunca estiveram, mesmo na terceira geração. É difícil entender isso.
- Foi muito emocionante conhecer a região (Serra gaúcha), porque estamos falando de 140 anos da história da nossa família. Ainda falamos a mesma língua. A surpresa de descobrir que havia pessoas com forte senso de vínculo e afeto era distante, é uma coisa inesquecível - afirma Sabino.
Para Vilson, a assertividade no contato legitimou uma faceta da própria personalidade:
- Sou Vêneto, não tenho vergonha disso.
Italianos da Serra
"Chorei durante dois dias seguidos", afirma Vilson Toscan
Para ele, emoção de conhecer os familiares italianos só é comparado ao nascimento dos filhos
Tríssia Ordovás Sartori
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