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Não foram os lendários trentasei giorni, mas 132 os dias que os três pioneiros, acompanhados pelas respectivas famílias, demoraram até chegar a Nova Milano, depois de deixar o Porto de Gênova. A bordo de um navio a vela, durante três meses e oito dias, percorreram os 9.170 quilômetros que separam a cidade lígure do Rio de Janeiro.
Saíram do norte da Itália no auge do inverno europeu e, ao desembarcarem, estavam num calor tropical, num lugar onde se falava outra língua, e ainda tinham mais mil quilômetros para percorrer antes de chegar à Serra gaúcha e poder reconhecer um lar na Mèrica prometida. Foram pelo menos outras seis paradas até desembarcarem em São Sebastião do Caí - na época, chamado de Porto dos Guimarães.
Ao sair da Itália, Stefano Crippa, 22 anos, Tommaso Radaelli, 39, e Luigi Sperafico, 38, não faziam ideia que seriam alojados em Nova Milano, nem que inscreveriam os nomes no marco zero da colonização italiana no Estado. A historiadora Loraine Slomp Giron explica que a única noção que os imigrantes tinham ao decidir deixar o país era de que viriam ao Sul do Brasil.
- Os lotes eles também não escolhiam, havia uma certa escolha quando havia lotes vazios de amigos, recebiam indicações. Mas isso eles só sabiam quando chegavam aqui, nunca na Itália - relata.
O único benefício, se é que se pode falar em facilidade naquele contexto, era o valor dos lotes.
- Eles sabiam que havia terras muito baratas para vender, com prazos muito grandes para comprar, com carência de 10 anos para começar a pagar e prestações baixas - afirma Loraine, complementando que além do valor do terreno, o montante era acrescido de 20% de dívida colonial.
Segundo a historiadora, os imigrantes tinham, no Brasil, a posse da terra apenas depois de terem pago por ela, ao contrário dos Estados Unidos. Lá, eles se apossavam do lugar, depois o legalizavam. Essas terras oficiais disponíveis a baixos custos atenderam a 90% dos imigrantes que chegaram aqui até o final do século 19:
- A partir de 1891, com a nova Constituição e com a Proclamação da República, em 1889, as coisas mudaram e eles não eram mais subsidiados. Depois de 1889 só vinham aqueles que tinham algum bem.
Mas a situação dos pioneiros, na Itália, estava longe de ter algum privilégio. Eles viviam em Omate, fração de Agrate Brianza, na região da Lombardia - situada a 40 quilômetros de Milão. Ainda hoje, o lugar conserva o ar pacato da época da imigração, bem como a dualidade entre a riqueza e a simplicidade. Nesses 140 anos, a população passou de 1.171 habitantes no final do século 19 para 2.650 nos dias de hoje.
O historiador italiano Vittorio Ziliotto explica que Omate era um feudo do príncipe Trivulzio nos anos 1700 e, por isso, recebia uma série de intelectuais europeus, como Montesquieu. A antiga propriedade do príncipe foi reestruturada e transformada em uma casa de festas. Perto de lá, estão as antigas residências dos imigrantes, chamadas de corte ou cortille.
A professora e pesquisadora italiana Chiara Canesi, de Agrate Brianza, relata que a família Radaelli vivia no maior cortile de Omate, o Cortile de lo Stallone, composto por 30 famílias. As residências tinham dois andares e eram padronizadas: no plano inferior, havia um estábulo e uma cozinha.
No superior, os quartos - de acordo com ela, era comum os familiares dividirem a mesma cama, dormindo em sentidos contrários, cabeça e pé. A escada era solta e ficava na parte de fora da casa e, no pátio, havia um forno comunitário e um banheiro.
- Os agricultores de Omate, no final do século 19, viviam em famílias patriarcais estendidas, junto com avós e filhos. As famílias eram numerosas, com 20 a 30 pessoas. Eles viviam em comunidade, mesmo na atividade de fazer o pão, que era de responsabilidade das mulheres. Elas se ocupavam também da cozinha e das crianças, os homens, da atividade agrícola. Todos viviam nesse pátio onde a atividade agrícola continuava, onde a presença de animais era um elemento vital do lugar. Se vivia junto inclusive à noite: depois de comer, havia um momento em que os vizinhos se encontravam nos estábulos, especialmente no inverno, para se esquentar, para contar histórias e rezar - explica Chiara.
Sperafico vivia no cortile chamado Ost e Crippa em um com o próprio sobrenome, todos idênticos e ainda preservados e habitados. Ela destaca, no entanto, que não era natural os moradores de Omate deixarem o lugar em busca de uma vida melhor no Exterior.
- Essa não é, por excelência, uma área de imigração - diz.