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A negativa judicial para um doente com câncer no cérebro receber um medicamento para quimioterapia abalou emocionalmente o pedreiro Mario Martins, de Picada Café, e acendeu uma discussão: o Poder Judiciário pode, afinal, decidir se determinado tratamento médico cabe a uma pessoa? Felizmente, a decisão da juíza Marisa Gatelli, de Feliz, foi revertida pelo juiz Franklin de Oliveira Neto, de Nova Petrópolis. Agora, o pedreiro de 46 anos aguarda os trâmites burocráticos para continuar o tratamento.
O drama de Martins se esconde em uma casa de madeira na localidade de Jammerthal, interior de Picada Café. Desde que descobriu a doença, em outubro passado, o homem passou por duas cirurgias e hoje depende totalmente dos cuidados da mulher, Édela Lúcia Schaffer, 38. Comer, ir ao banheiro, qualquer atividade requer auxílio. Martins, que sempre foi de poucas palavras, fala baixo para dizer o quão grato é ao carinho da esposa, mas responde apenas com lágrimas quando questionado sobre a decisão da juíza que lhe negou o direito ao remédio.
Em dezembro, quando foi submetido à primeira operação no Hospital Pompéia, em Caxias do Sul, Martins soube que precisaria de quimioterapia com Temozolomida, de que o SUS não dispõe. A partir daí teve início a luta judicial. No despacho, emitido no dia 12 de janeiro, a magistrada Marisa Gatelli argumentou que o remédio serviria "apenas para prolongar a sua vida em um ou dois meses", e que a compra resultaria em "desfalque aos combalidos cofres do município e do Estado, considerando o valor astronômico dos fármacos postulados".
Depois, o juiz Franklin de Oliveira Neto manteve a decisão e, em 13 de fevereiro, diante de novo pedido, deferiu o pagamento do comprimido pelo município de Picada Café e pelo Estado. Segundo a família, o fármaco custa R$ 72 mil.
- Nem eu, nem ela (juíza), nem o médico. Quem vai dizer quanto tempo o meu marido pode viver é Deus. Ela não tinha esse direito. As palavras dela nos humilharam - desabafa a esposa.
O pedreiro espera poder iniciar a quimioterapia o mais breve possível e aumentar a chance de cura. O tratamento será concomitante à radioterapia.
- Estávamos no fundo do poço, agora estamos esperançosos - diz a mulher, traduzindo o sentimento que o homem não consegue expressar.
Saúde é direito constitucional
Na opinião do presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers), Fernando Weber Matos, o médico tem autonomia para prescrever o remédio que entender que dará benefícios ao paciente. Ele acrescenta que, caso o SUS não disponha, é direito do doente requerer o benefício na Justiça. Ele lembra a mudança cultural dos últimos 20 anos, que compartilhou a decisão de fazer ou não um tratamento entre médico e paciente.
- É difícil entender essa negativa da juíza pela argumentação de ele ter só dois meses de vida. E, mesmo que fosse, em dois meses se faz muitas coisas. Eu, se puder viver mais dois meses, vou querer. E se tiver a chance de lutar contra uma doença que eu tenha, vou lutar com todas as minhas forças - argumenta Matos.
Quanto ao argumento de que o custo do remédio seria alto, o presidente do Cremers lembra:
- Está na Constituição que saúde é obrigação de Estado. Se os remédios são caros, é outro problema. Mas eu não acharia caro poder viver mais.
O juiz Franklin de Oliveira Neto explica que inicialmente negou o pedido por questão judicial. Segundo ele, a defesa do doente havia ingressado com um agravo retido, o que o impedia de conceder o benefício diante da negativa da magistrada de Feliz. Quando a defesa interpôs um agravo de instrumento, o magistrado concedeu o benefício.
- Respeito a interpretação da colega, mas meu entendimento foi por deferir. Para mim, o valor principal é a saúde do paciente, mas entendo que essas questões não deveriam chegar ao judiciário, deveriam ser resolvidas nas esferas municipal, estadual e federal - critica.
Em contato telefônico com o gabinete da juíza Marisa Gatelli, a reportagem foi informada de que ela não falará sobre o assunto.