Estranha essa onda de gente grande que esquece gente pequena para morrer dentro de um carro.

Será viral?
Alô, patrulha: ninguém está sequer insinuando que não se trata de esquecimento, que as crianças são deixadas dentro dos carros propositalmente, que os adultos planejaram tudo, que.
Não, a virulência do cronista não chega a esses requintes. Essa onda de esquecimentos geralmente é explicada pela correria dos dias, pelas agendas apertadas, pelos compromissos que assumimos, pela sequência de tarefas a que somos submetidos.
Nessa doideira, vitaminada pelo corre-corre do fim do ano, tem gente que esquece a casa aberta, o dedo na porta, o fogão aceso, o cachorro sem ração.
E crianças no carro.
Como será que funciona (ou não funciona) a cabeça de alguém que esquece uma criança dentro do carro durante horas a fio?
Longe de mim julgar esses adultos, já punidos muito além da conta pelo próprio lapso, mas sempre acreditei que o dia a dia lança sinais de quão perto ou quão longe estamos dos limites da razão. Os sinais, gerados por nós mesmos, deveriam ser captados como se fôssemos uma antena.
Ando atucanado? Acelerado? Irritadiço?
Às vezes mais, às vezes menos. Não captar os sinais pode resultar em grandes equívocos, inclusive em deixar uma criança morrer dentro de um carro.
Esquecer crianças no carro parece, a mim, um exagero, o suprassumo, caso clínico de estresse. Mas, como em tudo, não direi que desta água não beberei: tudo é possível nesta roda-viva em que estamos metidos até o pescoço.
É fácil e cômodo culpar unicamente a correria que o mundo impõe pelas falhas capitais que cometemos. Somos pensantes, temos arbítrio para dizer não, precisamos aprender a impor nosso ritmo diante das demandas que chegam aos borbotões.
Permitir que o turbilhão nos arraste, mergulhar de cabeça e depois tirar o corpo fora é artimanha antiga. Pena que a pena a que somos condenados às vezes é dura demais.