Sobre coisas que não vi, não experimentei, não testemunhei. Ou melhor, testemunhei por tabela, digamos assim. Faz um ano que nevou de verdade em Caxias pela última vez. Naqueles dias gelados de agosto de 2013 eu ocupava um leito de UTI do Hospital Saúde. Uma pneumonia me derrubara e eu tentava me reerguer. Me reergui, diferentemente do Ginásio Pereirão que outra nevasca de verdade pôs abaixo no centro do Parque dos Macaquinhos. Mas isso rolou em 2000, e essa é outra crônica.
Naquele agosto de 2013 em estava atado ao leito do hospital praticamente imobilizado por agulhas, tubos, soros, respiradores. O ambiente aquecido desautorizava todos os rumores de que lá fora estava congelante. Logo depois de anoitecer as primeiras notícias de neve começaram a chegar aos celulares dos técnicos e enfermeiros.
- Está nevando em Ana Rech! - anunciou uma técnica (desculpa, não recordo o nome de todos que me atenderam).
Logo os torpedos se multiplicaram, o burburinho cresceu, os técnicos e enfermeiros vinham pimpões mostrar fotos que recebiam do exterior. Uma cadeira foi posta junto à janela. Naquela madrugada a prosaica cadeira foi o ponto mais disputado da UTI. Os funcionários se revezavam na ponta dos pés, viam telhados branquinhos, relatavam o que espiavam, soltavam gritinhos, liam mensagens do celular. Naturalmente, passaram a noite me abastecendo com fotos do fenômeno da qual todos ali estávamos apartados, eles por trabalho, eu por incapacidade.
O clima na UTI era de euforia boa. Sim, é possível conciliar doença com euforia, alegria com responsabilidade. Olhando para trás, tenho certeza de que curti muito mais a nevasca daquele jeito, alquebrado e por tabela, do que se estivesse de corpo presente montando bonecos.
A experiência descontraída no ambiente tenso de UTI, também creio, foi fundamental para que a doença que me corroía fosse debelada com mais tranquilidade. De novo agradeço a todas as equipes que me cuidaram com tanto carinho. Desta vez agradeço, também, à natureza por ter proporcionado o espetáculo da neve. O profissionalismo de todos combinado a algumas horas de descontração fez toda a diferença.
Opinião
Gilberto Blume: testemunhei os dias gelados de agosto de 2013, em Caxias
Naqueles dias gelados eu ocupava um leito de UTI do Hospital Saúde.
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