A cadeia que ficou conhecida por execuções de presos, torturas e rebeliões agora caminha para ser referência em pacificação baseada nos princípios da Justiça Restaurativa (JR). O movimento pela paz dentro da Penitenciária Regional de Caxias do Sul (PRCS), no Apanhador, busca a resolução de conflitos entre apenados por meio do diálogo.
A iniciativa tem um ponto a favor: os servidores capacitados para a função foram oficializados na semana passada como a primeira Comissão de Paz de Caxias do Sul. O grupo terá o apoio e a supervisão do Núcleo de Justiça Restaurativa para selar o entendimento entre desafetos. A nomeação é um passo importante e está prevista na lei que regulamenta o Programa Municipal de Pacificação Restaurativa, sancionada no final de abril pelo prefeito Alceu Barbosa Velho.
As comissões são formadas por voluntários que atuam em um segmento específico, em bairros ou por área de interesse. No caso dos presídios caxienses, são três servidores ligados à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
Desde 2011, os profissionais vêm sendo treinados para facilitar a pacificação nos presídios gaúchos. De lá para cá, o trabalho em Caxias foi desenvolvido para melhorar a convivência entre os servidores da Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (Pics) e da PRCS. O diferencial agora é a participação dos detentos e o método aplicado no Apanhador servirá de modelo para outras cadeias na Serra.
A psicóloga Daiane Carbonera coordena o projeto no presídio com auxílio de Alceu Lima, voluntário da Central Judicial da Pacificação Restaurativa. A proposta contempla grupos de diálogos para atuar nas questões de convivência, preparação para a liberdade, valores e autoconhecimento.
O maior desafio, contudo, é consolidar os encontros de resolução de conflitos, onde desafetos e jurados de morte são colocados frente a frente, situação nem sempre recomendada por questões de segurança. Tais reuniões exigem preparação e interesse dos próprios presos, daí a importância dos mediadores terem sido treinados pela norte-americana Kay Pranis, referência mundial no assunto. Em um dos casos, não houve consenso. O outro círculo só foi possível porque um dos presos solicitou, uma atitude até então considerada impensável.
- Esse procedimento não está concluído mas o andamento é motivador, mostrando como é válido investir na proposta. A sensação é de nós desatados, percebe-se que manter os conflitos do passado é algo desnecessário para o presente e futuro. Foi muito emocionante - destaca Daiane.
Vencer as barreiras culturais e estruturais tem sido um exercício à parte. A coordenadora do projeto na 7ª Região Penitenciária, que abrange o Apanhador, vê qualidade de vida no momento em que se humaniza as relações.
- Realizamos alguns círculos de paz entre os servidores para facilitar essa cultura também entre os apenados. Já temos colegas que entraram no ano passado e se interessaram pelo assunto. A esperança é a abertura novos cursos para os funcionários - revela a psicóloga Alessandra Brauner.
A paz dentro das celas pela comissão será fundamental para evitar assassinatos e mais violências nas ruas.
PRINCIPAIS DIFERENÇAS
>> A diferença entre a Justiça Restaurativa e a tradicional está na abordagem.
>> O método tradicional trabalha com três perguntas básicas: que lei foi infringida? quem infringiu? que castigo merece? É punitiva.
>> A Justiça Restaurativa se preocupa com: quem sofreu o dano? o que essa pessoa precisa para que esse dano seja recuperado? quem tem a responsabilidade por melhorar a situação? É reintegrativa.
>> Os apenados continuam sendo processados pela Justiça comum. Mas a proposta é trabalhar, durante o cumprimento da pena, os conceitos da cultura de paz como forma de prevenir mais violência dentro e fora das cadeias.