Aos 14 anos, Gabriel da Silva Audino é dono de sabedoria extraordinária. Aprendeu que perdão e diálogo são sinônimos de poder, de transformação, virtudes solenemente ignoradas por homens e mulheres com longa experiência de vida.
Gabriel já foi daqueles meninos que gostava de aprontar, nada anormal para alguém da mesma geração. Mas a vida dele teve uma guinada. Certa vez, foi apresentado ao projeto de Justiça Restaurativa durante oficinas no Centro Assistencial e de Promoção Social Joana d'Arc, no bairro Vila Ipê, em Caxias do Sul. Os conceitos expostos pelos profissionais da Central de Paz Zona Norte pareciam complexos no papel, mas simples quando colocados em prática.
Em dois meses, Gabriel passou por uma espécie de metamorfose interior. Ao lado de colegas, assimilou cada palavra, cada informação repassada nos círculos restaurativos. Levou o aprendizado consigo.
A família estranhou a mudança de comportamento. Afinal, um adolescente que não trabalha e só estuda não poderia estar preparado para enfrentar situações embaraçosas. Uma briga entre ele e o irmão Iago, 18, provou o contrário. A dupla já não tinha intimidade e a discussão os afastou mais. Dias depois, Gabriel decidiu pedir desculpas e surpreendeu Iago.
- Aconselhei ele a não seguir adiante, a gente só ia ficar mais abatido. Nos perdoamos e nos tornamos amigos de verdade, passamos a conversar e a nos entender melhor.
A atitude lhe deu mais confiança. O estudante virou o facilitador, o cidadão para resolver conflitos dentro da família, entre amigos e na escola. Outro dia, viu um colega apanhando no pátio do colégio e interviu. Aos finais de semana, quando ele e outros sete irmãos se reúnem em volta da mãe, a algazarra torna impossível qualquer conversa.
- Expliquei para meus irmãos que seria mais fácil a gente falar um de cada vez para se entender, para ficar mais tranquilo. Tem dado certo - conta.
Gabriel cumpre quase que diariamente uma missão corriqueira, mas frequentemente vista como inusitada diante do individualismo crescente nas famílias: abraçar a mãe. Da primeira vez, o toque desconcertou e emocionou a mulher.
O adolescente e colegas do Joana d'Arc escreverão mensagens sobre como pretendem encontrar o mundo daqui 20 anos. Os recados serão colocados em uma garrafa que será enterrada. Quando chegarem a fase adulta, reabrirão o recipiente para constatar se a expectativa acalentada na juventude se confirmou.
- Agora me sinto mais forte, me sinto mais eu. Acho que meus irmãos e amigos estão seguindo o mesmo caminho. Esse negócio de falar, ouvir, buscar a paz é muito bom - define.
A história de Gabriel mostra que os princípios da pacificação restaurativa não servem apenas para casos graves. Ele não pode enfrentar traficantes, assaltantes e homicidas. Mas conseguiu adotar uma postura preventiva para seu cotidiano. Resolvendo seus problemas, ele pode levar pessoas à reflexão.
Durante a implantação da Central de Paz Zona Norte havia dúvidas se os moradores estariam dispostos a falar sobre suas dores e problemas pessoais, relembra a coordenadora do projeto daquela região, Susana Cordova Duarte.
- Estamos tentando resgatar os hábitos de falar e ouvir. Hoje me parece que as famílias não estão se reunindo para conversar, resolver seus conflitos, entender seus filhos. Esse trabalho também é estendido para educadores - ressalta Susana.
Até o final do ano passado, a Central da Zona Norte conseguiu juntar 178 homens, mulheres e crianças para práticas restaurativas. A meta é expandir o atendimento. No mesmo período, as outras duas centrais (no Fórum e na UCS) contaram com a participação de 1,9 mil pessoas.
Se depender de Gabriel e de outros voluntários, a tão sonhada paz pode ser alcançada a partir de cada um.
Justiça Restaurativa
Estudante de 14 anos é exemplo de engajamento pela pacificação na zona norte de Caxias do Sul
Gabriel Audino levou aprendizado para dentro de casa
Adriano Duarte
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