Lisiane e Maureni são pais de Mariane, 15 anos, mas queriam ter mais filhos. Foram apresentados a três irmãos e uma adolescente que viviam em abrigos públicos e sonhavam com um lar. Formava-se ali uma nova família em Caxias do Sul.
Há uma semana, Lisiane, Maureni e Mariane se mudaram para uma ampla e confortável moradia no bairro Nossa Senhora da Saúde ao lado dos quatro egressos dos abrigos Sol Nascente e Estrela Guia.
Não se trata de adoção, mas do programa Casas Lares, que substitui o acolhimento tradicional. É uma mudança grandiosa para o casal. Mais ainda para a garotada, entre eles, uma menina de 10 meses. O conceito também é inovador para os padrões de Caxias do Sul, mas aplicado com sucesso em outras cidades do país.
Nos abrigos comuns, o atendimento é realizado em sistema de plantões entre os funcionários - nem sempre é possível forjar relações duradouras. Na modalidade Casa Lar, a tarefa cabe ao pai ou mãe social que mora com as crianças e adolescentes, possibilitando uma rotina fiel a uma casa familiar. Em Caxias, são nove lares mantidos por organizações não-governamentais em parceria com a Fundação de Assistência Social (FAS).
Gente como Lisiane e Maureni tem a missão de cuidar, educar e guiar a garotada pelos próximos meses ou até eles completarem a maioridade. Mais do que isso: os pais sociais precisam ter afeto em abundância.
Os três irmãos e a adolescente acolhidos por Lisiane e Maureni foram destituídos ou afastados de suas famílias biológicas porque sofriam negligência contínua. Protegê-los, portanto, é uma tarefa complexa que exige doação. Para isso, o casal fechou a casa no bairro Belo Horizonte para se dedicar 24 horas aos novos filhos.
Como em toda novidade, é preciso ter paciência para a adaptação. A família fincou pé na moradia no dia 23 de dezembro. Lisiane e Maureni levaram junto Mariane, as cadelas Pink e Lilica e três passarinhos.
A garotada do Sol Nascente e Estrela Guia trouxe roupas e objetos pessoais, além da vontade de construir uma vida nova. O imóvel é alugado pela ONG Ação Social Aliança (Asa), que mantém convênio com a FAS para administrar outras duas casas lares em Caxias.
Apesar do alvoroço da mudança, houve tempo para preparar a ceia na noite de Natal com direito a peru recheado e outras guloseimas. No dia a dia, é preciso seguir regras e compartilhar pequenos afazeres como manter os cômodos organizados e lavar a louça.
A família ainda está organizando passeios pelo bairro para conhecer as áreas de lazer, a unidade básica de saúde, as escolas, o mercado e outros pontos. A ideia é estabelecer vínculos com a comunidade para inserir, de fato, os meninos e meninas no cotidiano do bairro.
- Queríamos ter mais filhos e de repente ganhamos quatro de uma vez. Isso é para a vida toda - orgulha-se Maureni.
O programa Casas Lares é fundamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em leis sobre acolhimento de crianças e adolescentes no país. Em Caxias do Sul, seis moradias são administradas pelo Instituto Leonardo Murialdo e três estão sob a responsabilidade da Ação Social Aliança (Asa) do Rio Grande do Sul. Outras quatro unidades serão implantadas até março.
Cada conjunto de casas lares tem um coordenador-geral, um psicólogo e uma assistente social. E cada casa, uma mãe ou educador social residente. Os pais sociais têm direito a folgas quinzenais e, nesses casos, o lar fica sob os cuidados de substitutos.
Presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Marlês Andreazza lembra que os reflexos dessa mudança de atendimento poderão ser percebidas em cinco, 10 anos.
- O conceito é diferente porque se pretende fazer com que as crianças se sintam em um lar de verdade, dentro de uma família com referência. No modelo anterior de abrigo, isso não era possível. Hoje, temos vários moradores de rua que vieram de abrigos - reitera Marlês.
Caxias do Sul tem 120 crianças e adolescentes abrigados. Metade vive em casas-lares.
Infância e adolescência
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Adriano Duarte
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