No tempo do regime militar, a Diocese de Caxias do Sul criou o Centro de Orientação Missionária para preparar e encaminhar leigos e religiosos às missões.
Os encontros de preparação missionária eram um dos poucos espaços do Brasil para assuntos políticos e socioeconômicos, formando lideranças como José Ivo Sartori (PMDB), Maria Helena Sartori (PMDB), padre Roque Grazziotin (PT), Marisa Formolo (PT) e até o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile.
José Ivo Sartori (PMDB), 65, recém saído do seminário em 1970, participava dos cursos e foi quase enviado a uma das missões em Goiás. Porém, como era presidente do DCE da UCS na época, não pôde ir.
- Muitos da minha geração política, como Édio Éloi Frizzo (diretor-presidente do Samae) e João Tonus (secretário municipal de Cultura), frequentavam os encontros. Éramos estudantes e nos envolvíamos nos debates. Foi um abrigo para quem queria lutar por uma sociedade mais justa e para a geração que estava impedida de ser politizada - conta Sartori, que parou de participar dos cursos em 1976 quando casou com Maria Helena Sartori e foi eleito vereador. Mas o casamento foi na capela da sede do COM, em função das amizades feitas no local.
Maria Helena e Sartori no casamento deles realizado na sede do COM, em 1976, hoje Casa da Juventude Murialdo
A deputada estadual Maria Helena Sartori (PMDB), 60, na época ja namorava de Sartori, também o acompanhava nos encontros do COM.
- Conheci o Sartori no movimento estudantil e muitos dos universitários participavam do Centro para receber uma base de organização na ação social. Somava-se o interesse na formação de fé social, que implicitamente tinha um pouco de Teologia da Libertação, e o desejo de combate à ditadura - relembra Maria Helena.
Padre Roque Grazziotin (PT), 67, professor e membro do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Caxias do Sul (FUCS), era seminarista na fundação do COM e participou dos cursos desde o início. Após os seminários, os participantes eram encaminhados a estágios missionários durante um mês, chamados de Diásporas, realizadas dentro e fora da Diocese. Na região, ocorriam em locais como São Francisco de Paula, Cambará, Torres e periferias urbanas; e, no Brasil, nos Estados de Tocantins, Goiás, Pará, Maranhão, Paraíba e Amazonas. Padre Roque participou de missão em Marabá, no Pará.
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A deputada estadual Marisa Formolo (PT), 65, acompanhou mais intensamente o COM a partir de 1975, momento de ascensão do órgão. Em 1977, o COM realizou o Encontro Latino-Americano de Teologia Pastoral, com duração de 50 dias nos meses de janeiro e fevereiro. O curso se repetiu anualmente por mais de cinco anos.
_ O Centro contribuiu para formar relações internacionais em toda a América Latina e até na África. Fazia uma grande rede missionária através de cursos, correspondências, intercâmbio de boletins e testemunhos entre as realidades vivenciadas _ destaca Marisa.
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Na foto, Stédile ao lado da deputada Marisa Formolo por ocasião da morte de padre João Schio. Pároco de Antônio Prado, Schio atuou na juventude agrária, palestrava no COM e assessorava a CPT (Comissão Pastoral da Terra), que depois passou a ter a assessoria de Stédile.
João Pedro Stédile, 59, natural de Lagoa Vermelha, participava de cursos do COM. Em relato no livro Memória para o Futuro, Nos Passos de Irmão Antônio Cechin, de Luiz Carlos Susin , ele conta que os contatos realizados no COM foram fundamentais para articulação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 1975, que motivaria a fundação do MST em 1984.
- Participava pela CPT dos seminários do COM. (...) Encontrei lá pessoas sábias, como irmão Antônio Cechin, com tanta experiência, firmes contra o regime militar e defendendo mudanças, que me ajudou a ter convicção de que estávamos certos na caminhada - relata no livro.
Para a professora da UCS e doutora em Ciência Política pela UFRGS, Ramone Mincato, a importância do COM foi além da questão religiosa. Ela fez seu doutorado em 2004 sobre a influência do Centro, com o tema "A Igreja Católica na Formação Política de Caxias do Sul de 1964 a 1985".
- Com o AI5 (Ato Institucional nº 5), a ditadura fechou institutos catequéticos e de debates nas capitais. O COM nasceu da crise que a catequese vivia. Com menos repressão por ser cidade considerada periférica e pelo grande número de vocações, Caxias, por meio do COM, tornou-se uma referência de trabalho popular na América Latina - explica a professora.
De acordo com Ramone, o Centro conseguiu reunir forças completamente heterogêneas, como militantes do MDB, trabalhistas, comunistas e, possivelmente, até de direita.
- Era um dos poucos locais onde essas forças podiam manifestar o que tinham em comum: posição contrária à ditadura, defesa intransigente dos direitos humanos e opção preferencial pelos pobres - explica.