Na Rua Marechal Floriano, área central da cidade, a atendente serve um cachorro-quente caprichado. Milho e ervilha em potes separados, molho bem temperado e um pão bastante macio, que, se o cliente não elogia, a própria comerciante trata de exaltar. Como grande parte dos colegas espalhados pelas esquinas de Caxias, ela não usa touca, nem boné. E como praticamente todos, não veste luvas para servir o lanche de forma mais higiênica.
A atendente conta que entrou para o comércio ambulante quando a sogra, com a intenção de que as duas filhas e a nora tivessem uma boa renda, obteve a concessão do ponto junto à prefeitura. O local não é dos mais badalados, mas quem escolhe o ponto é a Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU). Cabe aceitar e pagar a anuidade para exploração do ponto: R$ 68. Nos primeiros meses do estabelecimento, as três se revezavam, mas logo apenas a nora, que conta a história, seguiu tocando o negócio. Provavelmente ela nem saiba, mas sua atuação é irregular.
De acordo com o Código de Posturas do município, apenas o proprietário da concessão está autorizado a trabalhar. Assistentes só são permitidos em casos de alta demanda, em que uma pessoa não dê conta de atender ao fluxo sozinho. Mas transferir o trabalho a terceiros fere a legislação.
Um caso como esse não é isolado em Caxias do Sul, onde o comércio ambulante de lanches deixou de ser uma oportunidade de inclusão para os que não possuem emprego, como diz a legislação, e se transformou em um negócio como outro qualquer, com o bônus de custar bem menos.
Mas a proliferação das carrocinhas de lanches é uma questão mais ampla, vai além de quem é dono e quem trabalha, de fato. O comércio ambulante rivaliza diretamente com os lojistas e em cruzamentos como o da Visconde de Pelotas com a Júlio de Castilhos, por exemplo, chega a haver três pontos.
As bancas mais sofisticadas se assemelham a pequenas lanchonetes na variedade do cardápio, oferecendo cachorro quente, crepe, churros, refrigerante e até espetinhos de morango. Exigir que as bancas tenham ofertas mais restritas, especializando-se em um produto, é uma das frentes em que a SMU vem trabalhando para acabar com a farra das carrocinhas.
Segundo o secretário Fabio Vanin, de forma gradativa, o órgão pretende ainda acabar com os pontos fixos, substituindo por carrocinhas móveis, exigir o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e transformar as concessões em temporárias, com validade de três ou quatro anos. O secretário não nega que uma das intenções seja reduzir, a longo prazo, o número de ambulantes deste segmento:
- Não queremos ser drásticos, mas precisamos ter um espaço público mais limpo e valorizado. Não é possível que haja carrocinhas em lugares onde atrapalham o trânsito de pedestres ou a visibilidade dos motoristas - ressalta.
O valor anual pago pelos proprietários das concessões, de R$ 68, é considerado irrisório pelo secretário e deve ser revisto já em 2014.
Após experimentar os lanches servidos em pelo menos seis pontos e observar cerca de outros 30, a reportagem constatou que a maioria dos atendentes de carrocinhas não usa luvas para o preparo dos lanches. Muitas vezes, também o avental, a touca ou o boné não fazem parte do figurino.
O fiscal responsável pelo setor de alimentos da Vigilância Sanitária, Rudimar Tessaro, destaca que as exigências são as mesmas para qualquer tipo de estabelecimento, mas como os ambulantes não têm água corrente para os atendentes lavarem as mãos, o uso de luvas é ainda mais necessário.
- As luvas têm custo mais alto, por isso alguns não usam, embora a gente passe a recomendação. Mas trata-se de uma penalidade, passível de advertência ou processo administrativo - observa.
Outra questão verificada durante o trajeto foi a falta de tampo nas lixeiras de muitos pontos, o que também vai contra a recomendação da Vigilância, pois os restos muitas vezes ficam expostos a céu aberto. Tessaro diz que, por falta de pessoal, a o órgão não faz inspeções específicas nas carrocinhas, por isso também tem pouco controle sobre a qualidade e as condições de armazenamento dos alimentos. O órgão tem por praxe fiscalizar quando há denúncias.
Confira a reportagem completa na edição desta quinta-feira do Pioneiro.