Quando ingressou na equipe médica do Hospital Pompéia, em julho de 1951, Renato Metsavaht planejava ficar na Serra por pouco tempo, entre seis meses e um ano, até que um novo anestesista fosse contratado.
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para os 100 anos do Hospital Pompéia
Formado na turma de 1950 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) aos 23 anos, ele atuava no Hospital de Beneficência Portuguesa, na Capital, quando foi convidado pelo colega Rubens Ramos a assumir o posto de primeiro - e único - médico anestesista do Pompéia.
O que se desenhava ser provisório, porém, acabou por se tornar uma bonita história de trabalho, encerrada apenas em setembro de 2011, seis décadas depois.
- Ele gostou daqui, do clima e da comida italiana também - entrega a mulher, Maria Amelia Cauduro Fossati Metsavaht, 82 anos, com quem é casado há 62 e tem quatro filhos.
Quando o médico começou a carreira, no início dos anos 1950, quase não haviam anestesistas. Mesmo na Capital, eram quatro ou cinco, lembra Metsavaht, 84.
- A gente aprendia com os médicos que já conheciam anestesia. Não havia os cursos e as especialidades que existem hoje - afirma.
No Pompéia, antes de sua chegada, as anestesias eram feitas por enfermeiras religiosas, a maioria apenas formada a partir do conhecimento prático. Éter ou clorofórmio aspirados em uma máscara eram usados para sedar os pacientes. O primeiro trabalho no Pompéia, recorda Metsavaht, foi em parceria com o cirurgião Rômulo Carbone: uma apendicectomia, cirurgia para a retirada do apêndice. De lá para cá, nesses 60 anos de profissão, o médico estima que tenha realizado cerca de 70 mil anestesias.
- Sem nenhuma complicação ou perda de pacientes - diz, orgulhoso.
Além de ser o primeiro anestesista do Pompéia, Metsavaht fundou o Banco de Sangue, em 1954, e também foi pioneiro em alguns procedimentos no hospital. Fez o primeiro parto natural sem dor, de uma paciente que ele só recorda o sobrenome - Cesa - e realizou a troca de sangue em um bebê, um procedimento de emergência adotado em caso de incompatibilidade sanguínea do recém-nascido com a mãe.
Para dividir o conhecimento acumulado em tantos anos de profissão - e ensinar aos novatos o que aprendeu com os antigos mestres - Metasavaht também fundou, em 1967, a Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS), da qual foi professor por três anos.
Baú de histórias
Como um dos médicos mais antigos do Pompéia, Metsavaht testemunhou muitas histórias, algumas das quais foi até protagonista. Certa vez, o anestesista trabalhava concentrado em uma cirurgia quando avistou seu cachorro perdigueiro Sandu, parceiro fiel das caçadas aos finais de semana, deitado despreocupadamente sob a mesa de operação.
- Eu morava ali na Moreira Cesar, perto do hospital. O cachorro era ensinado e vivia me seguindo. Naquele dia, eu fui ao hospital a pé e ele veio atrás de mim sem que eu percebesse. Ele deve ter entrado atrás quando entrei na sala de cirurgia - recorda, rindo.
Outra vez, só para testar as religiosas que cuidavam do hospital, pregou uma peça na irmã Leonor, que assim como ele também trabalhou aplicando anestesias.
- Eu comprei um cocô de plástico e coloquei no chão. Chamei a irmã e disse: "olha só o que fizeram aqui." A irmã saiu horrorizada e foi até a cozinha pegar uma pá de cinza, que jogou em cima do cocô de mentira - conta.
Filho de imigrantes estonianos, Metsavaht nasceu no Rio de Janeiro, onde o pai, Oscar, passou a trabalhar como ótico e revenda de materiais cirúrgicos. Mas foi por influência de um padrinho gaúcho, quando a família já morava em Porto Alegre, que Metsavaht trilhou o caminho da Medicina.
- Ele morava em Lajeado e eu ia passar as férias por lá. Ele me levou algumas vezes para conhecer o hospital e acabei me interessado pelo que ele fazia - explica.
Desde setembro de 2011, o doutor Metsavaht não é mais presença frequente no bloco cirúrgico e corredores do hospital. Uma artrose nas pernas, que o impede de caminhar e ficar muito tempo em pé, obrigou o experiente anestesista deixar a se aposentar.
- O acesso ao hospital ficou também mais difícil para mim, embora minha memória e meus braços, o que de fato uso para trabalhar, estejam perfeitos - afirma, com uma pontinha de amargura.
Agora, em casa, o anestesista gasta seu tempo lendo, navegando pela internet ou fumando charutos. Cedeu o seu espaço para que outros jovens médicos possam cuidar de mais vidas no Hospital Pompéia - assim como ele fez a vida inteira.
Pioneirismo
100 anos do Pompéia: conheça a história de Renato Metsavaht, o primeiro anestesista do hospital
Médico também fundou o Banco de Sangue, em 1954
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