- Possivelmente, hoje eu seja a pessoa que mais conhece a história do Hospital Pompéia - constata o cirurgião José Brugger, 82 anos.
Sua relação com a instituição vai muito além dos 50 anos em que lá trabalhou, desempenhando os papéis de cirurgião, ginecologista e obstetra, além de diretor clínico e técnico.
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O Pompéia também foi o quintal de sua casa, foi a escola prática durante a faculdade de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a chance de conviver e aprender diariamente com o pai, José Aloísio Brugger, médico austríaco que desembarcou no Brasil em 1929.
- Viemos para Caxias em 1933. Eu tinha apenas três anos. O meu pai foi convidado pelo doutor Vicente Bornancini, que conheceu ao trabalhar em Nova Vicenza (hoje Farroupilha), a vir para o Pompéia e substituir o doutor Guarnieri, o então cirurgião-chefe que estava voltando para a Itália. Passamos a morar em uma casa de dois andares entre a igreja e a entrada do hospital, que funcionava desde 1920 naquele prédio antigo comprado pela Associação das Damas de Caridade. Desde que eu era guri acompanhei o hospital, vi se transformar no que é hoje - afirma.
Ali, ainda criança, o médico foi operado de uma hérnia pelo pai. Anos depois, testemunhou os primeiros tijolos do prédio novo, inaugurado em 1940, serem assentados.
- Depois que a gente saía da escola, íamos para lá ver os pedreiros trabalharem. Eu e os amigos fazíamos guerra de torrão nas valetas das fundações. Teve uma vez que cai da escada, quase um andar e meio e saí ileso. Também lembro que fiz a minha primeira comunhão na capela. Havia também um mirante no terceiro andar - conta.
Enquanto José e os irmãos Walter e Herbert ainda brincavam, José Aloísio consolidava-se como exímio cirurgião gástrico e também como ginecologista e obstetra, trabalhando ao lado de médicos como Félix Spinato, Renato Metsavaht, Ataliba Finger e Gastão Festugatto... Naturalmente, a paixão do patriarca dos Brugger pela Medicina influenciou diretamente os três filhos. Até a mulher, Margarithe Ederer, que integrou a associação das Damas de Caridade, ajudou José Aloísio com o instrumental cirúrgico em algumas oportunidades.
- Meu pai trabalhou quase toda a vida lá e era muito ligado ao hospital. Lembro que ele falava "o nosso hospital", como se fosse ele uma coisa nossa. Eu comecei lá dentro ainda como estudante. As minhas primeiras intervenções foram em pacientes dele. Ele foi um grande professor. Na sexta-feira ou sábado, quando chegava de Porto Alegre, eu ia operar com ele. Lembro que às vezes ele dizia orgulhosos para os pacientes: "olha, foi o meu filho que te operou" e dava uma risada alta que se ouvia em todo o hospital. E eu ficava lá, olhando constrangido, pensando o que os pacientes dele iam pensar... - recorda Brugger.
Antes de ingressar no Pompéia, o jovem médico partiu para a Europa, em 1955. Trabalhou em Hamburgo, na Alemanha, e em Viena, na Áustria, por um ano e meio até receber um telegrama do pai, convocando-o a retornar "imediatamente a Brasil, de navio ou de avião" por ocasião da Revolução Húngara.
Os conhecimentos em obstetrícia, frisa Brugger, foram aprimorados em um curto período em São Paulo, logo que chegou do Exterior.
Início de carreira
Para Brugger, o desafio de ser médico no final dos anos 1950 era muito maior do que hoje. As especialidades médicas eram muito raras (havia a cirurgia, radiologia, pediatria, anestesia, oftalmologia e otorrinolaringologia) e os profissionais tinham de entender sobre tudo.
- Era uma época de cultura mais generalista. O cirurgião fazia atendimento em ginecologia, partos, fraturas. E como eu estava começando e cheio de vontade de trabalhar, me chamavam para atender a qualquer hora. Isso até causou um pouco de ciúme por parte de alguns médicos. Mas não existiam plantões organizados como hoje e como eu era conhecido, era a mim que se recorria - rememora Brugger, que também fez o parto de quatro de seus cinco filhos.
Quando Brugger começou a trabalhar com médico, o acesso aos antibióticos praticamente não existia. A penicilina, por exemplo, descoberta em 1928, só começou a ser utilizada como medicamento depois de 1941.
- Lembro que estava no fim do curso de medicina quando surgiu a penicilina aqui. Antes não havia a antibioticoterapia. Quando eu era guri, todos os verões, morria muita gente de tifo, tuberculose, isso lá em 1935, 1940...Hoje ninguém mais morre de tifo porque existe tratamento. A família da nossa lavadeira Vicentina morreu quase toda ela de tuberculose. Eram doenças que matavam e se tinha muito medo de pegar - recorda.
Assim como o pai, Brugger também desejava ver os filhos formados em Medicina. Mas dos cinco herdeiros, apenas duas filhas escolheram a profissão: Anne Marie, que é ginecologista e obstetra, e Erica, pediatra.
A aposentadoria
Doutor Brugger parou de trabalhar no Hospital Pompéia há cerca de quatro anos. Mas a aposentadoria não chegou de imediato.
- Fui parando devagar, diminuindo, diminuindo, até que parei. Aí, dei o meu consultório à minha filha, e passei a me dedicar a falar um pouco sobre o meu passado. Quando a gente está na ativa, a gente tem dificuldade de processar: "ah, eu vou parar, mas e daí? O que eu faço com tudo isso que aprendi?". Para mim não foi uma coisa tão fácil, mas chega uma hora que a gente tem de tomar a decisão, né? A gente é esquecido ligeiro, viu? Hoje a turma procura os médicos novos, que sabem tudo, que saem fresquinhos da universidade... - filosofa.
Apesar de acreditar que seu nome possa ter caído no esquecimento, o sobrenome Brugger estará gravado para sempre na história do Pompéia. Nos pacientes pobres, chamados de indigentes, aos quais pais e filho dedicaram atenção especial, no conhecimento que transmitiram aos novos médicos e, por fim, em toda a contribuição para a criação do Centro de Memória, um museu que guarda fotos, equipamentos hospitalares e instrumentos cirúrgicos, muitos dos quais doados pela família Brugger.
"...Atender à indigência sempre foi a vocação do Pompéia, que nunca se omitiu desse papel (...). Só o Pompéia nunca deixou de atender, mesmo em época de dificuldade. Isto é um valor inestimável para a cidade. (...) Os leigos desconhecem a situação, os políticos, se não veem alguma vantagem, não se manifestam. O Pompéia teve uma tarefa árdua. Mesmo assim, cresceu e se expandiu..."
José Brugger, trecho da obra Em presença do Tempo - Hospital Pompéia, história oral de vida, de Tânia Tonet e Charles Tonet
História
'Desde que eu era guri acompanhei o hospital, vi se transformar no que é hoje', conta o médico José Brugger, na série sobre os 100 anos do Hospital Pompéia
Médico desempenhou os papéis de cirurgião, ginecologista e obstetra
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