Ela já se chamou Iracema da Silva e Iracema Soares de Assunção, até se casar e virar Iracema Soares de Lima. Hoje, é mais conhecida como Dona Pema. Mas o nome dessa senhora, que em 4 de julho completará 80 anos, poderia ser algo relacionado a exemplo de vida.
A história de Pema mostra que, com força de vontade, uma pessoa é capaz de passar por cima de sérias adversidades, inclusive, a cegueira. Aos cinco anos, a menina que nunca conheceu o pai foi entregue pela mãe a uma família de São Francisco de Paula, onde nasceu. Ainda criança, virou auxiliar doméstica dos pais adotivos:
- Antes dos 10 anos, eu já limpava a casa, cuidava da horta e de animais, lavava roupas em rio, menos as de cama, porque eram muito grandes.
Naquela época, Iracema não tinha documentos. Conta que primeiro a chamavam de Iracema da Silva. Depois, de Iracema Soares de Assunção. O nome definitivo veio em 1949, aos 17 anos, quando se casou com Deoclécio Ribeiro de Lima.
A cerimônia ocorreu em Jaquirana, porque em Tainhas, interior de São Chico, onde eles moravam, não tinha igreja. Nos cinco primeiros anos de casamento, tiveram quatro filhos, os primeiros de uma prole de sete. A jovem mãe, que teve a oportunidade de estudar somente até a 3ª série do ensino fundamental, tinha noção da importância de oferecer ensino aos filhos.
Para isso, em 1959, depois de morar também na localidade de Barreiros, a família se mudou para Bom Jesus. Na ausência do marido, caminhoneiro que transportava toras dos Campos de Cima da Serra pelo país, Iracema virou uma supermãe.
- Eu era uma guerreira. Para as crianças estudarem, eu cortava lenha e entregava para o colégio das irmãs como pagamento da mensalidade. Tinha uma horta enorme, produzia verduras, criava galinhas, torrava café no pilão. Fazia tricô, costurava para fora... Era tudo na dificuldade. Até instalação elétrica da casa eu fazia.
Em 1962, para que os filhos mais velhos pudessem cursar o ensino médio, a família veio morar em Caxias do Sul. Instalou-se no bairro Pio X. Mais tarde, por uma curta temporada, residiu em Canela, mas retornou a Caxias para morar no Sagrada Família.
Por cerca de 30 anos, conta Iracema, ela viveu o período mais tranquilo da vida. Os filhos já trabalhavam e ajudavam na casa, enquanto Deoclécio, o marido, estava ausente trabalhando como caminhoneiro pelo Brasil. Mas foi aos 60 anos, na terceira idade e com os filhos criados, que Dona Pema sofreu um duro golpe: um glaucoma a deixou completamente cega.
A perda da visão abateu a guerreira, que entrou em depressão.
- Eu, uma mulher batalhadora, que fazia de tudo, que criou sete filhos, fiquei no fundo do poço. Revoltada, joguei no fogo o manuscrito sobre minha história, da infância até os 17 anos.
Por seis meses, Iracema ficou na fila de espera por uma cirurgia nos olhos, na esperança de voltar a enxergar. O procedimento não deu certo, e ela teve de se submeter a outra intervenção, que a devolveu 5% da visão, somente no olho direito.
O drama se agravou porque o marido, acometido pelo Mal de Alzheimer, perdeu completamente a memória e atualmente está em uma clínica. Com o apoio dos filhos e das filhas, principalmente da artista plástica Leoni, Dona Pema buscou a força da menina que sofreu na infância e se reergueu.
- Eu quis dar uma nova ocupação para minha mãe. Lembrei que ela sabia usar as mãos para amassar o pão. Então, como eu dava aula de arte, desenvolvi a técnica para ela, sem a visão, fazer esculturas em argila - conta Leoni.
Foi o impulso que faltava para Dona Pema superar a deficiência visual e aflorar seu lado artístico. Frequentando aulas na Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (Apadev) e depois no Instituto da Audiovisão (Inav), aprendeu informática para cegos, o que possibilitou escrever quatro livros, dois deles já publicados: Caminhos de Rita, que recupera sua trajetória da infância até o casamento por meio de uma personagem; e Tu eu? Eu tu?, com contos de ficção. Mais dois livros estão sob análise de uma editora.
- Um se chamará Eu, demente, que mistura histórias de fadas, que eu ouvia quando criança, com lendas gaúchas. O outro, deverá se chamar Vovó Isaura e seus adoráveis pestinhas, baseado na minha relação com os netos - revela a simpática avó, que tem 23 netos, 10 bisnetos e um tataraneto.
Essa quase octogenária não para. Além de se dedicar à literatura e escultura, visita o marido, pinta quadros, canta no coral da Universidade da Terceira Idade da UCS, cuida da casa e, hoje, Dia Internacional da Mulher, vai retomar as aulas de violão, uma antiga paixão.
Para todas a mulheres, e também aos homens, Dona Pema dá uma recado:
- Não desistam nunca de seus sonhos. Lutem sempre para irem em frente. Nossos pés devem estar sempre no futuro e não no passado. Dou palestras a estudantes sobre minha história. Eles choram, mas minha meta é lançar sementes.
Superação
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Sem enxergar, senhora supera dramas pessoas por meio da arte
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