Uma tradição que vai além de apenas um esporte. A Bocha ou Boccia, como também é conhecida, é uma modalidade primordialmente familiar. Depois vem a conotação desportiva.
Ao ler, você deve estar remetendo às bodegas que frequentou há muito tempo atrás, onde os avós passavam as tardes jogando. Ou até mesmo lembrou das temporadas no litoral, onde as canchas se multiplicam a cada dois ou três quarteirões.
Enquanto as lembranças vêm a cabeça, a bocha evoluiu. Modificou muito e será modalidade de apresentação nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024. Mas não será a bocha tradicional. O foco está mais dinâmico e buscando agregar os talentos das novas gerações.
— Está se perdendo aquela tradição antiga, que precisava da cancha de saibro e gente para tapar os buracos. Tudo está em evolução e, como todos os demais esportes, está ficando mais dinâmica. A modalidade de zerbin vem para agregar a juventude. Essa é a nossa finalidade, de viabilizar isso a partir de agora — destaca Valmir Danieli, vice-presidente da Confederação Brasileira de Bocha e Bolão (CBBB) e coordenador técnico da Associação Braço Forte, de Carlos Barbosa.
A associação iniciou as aulas desta modalidade nos últimos dias. Alguns atletas já têm conhecimento do zerbin, mas o foco é difundir entre os 30 alunos do clube, que variam dos sete aos 50 anos. As crianças deverão ter uma atenção maior, visando Paris.
As regras são bem diferentes para o que o grande público está acostumado. Esqueça o balin. O zerbin é um esporte físico e de precisão. São cinco minutos para acertar o maior número de bochadas nos dois lados da cancha. Esse é o dinamismo para conquistar os mais jovens e fazer com que eles sintam o mesmo apreço pela bocha que pais e avôs sentiam na sua infância. Em outras palavras, que mantenham a tradição viva.
— A vantagem da bocha é que pratica um guri de sete anos e um senhor de 80. Eu tenho o pai com 88 anos que ainda joga bocha. É uma qualidade de vida. Nosso lema é que, ao invés de gastar dinheiro numa academia, vá numa associação organizada e jogue bocha — pontua Valmir.
Pietro tem grandes objetivos
A Associação Braço Forte terá três representantes no Mundial de Bocha da China, que será de 19 de outubro a 1º de novembro. Pietro Danieli, Jhordan Danieli e Gregory Pasini Deconti – os dois últimos jogarão a modalidade combinado, muito próxima da tradicional. Pietro é quem jogará zerbin e busca uma preparação diferenciada para isso.
— Como farei essa corrida (no zerbim), estou treinando três vezes por semana com o preparador físico da ACBF e duas vezes a parte técnica. Pretendo ser o primeiro brasileiro a chegar no pódio. Até sigo uma dieta. Por genética, nunca precisei, mas é a dieta para criar fibras e deixar o corpo mais forte — conta Pietro.
A meta não será fácil. Os europeus têm média de arremessos muito alta e uma precisão acima de 90% nas bochadas. Por isso, entrar no top 3 exigirá muito da parte física do jovem serrano, que disputará a categoria sub-23:
— Meu recorde brasileiro é 43 arremessos e 36 acertos. Uma média para estar entre os três é de 55 para cima. Esse esporte é mais fácil de acertar a bochada, no saibro as bochas não quicam e acertando dentro do quadrado vale ponto. Com mais de 50 acertos, eu já sairia bem feliz.
É uma grande oportunidade para Pietro. Principalmente para chamar a atenção e ainda realizar o seu sonho:
— A bocha é treino durante a semana e jogo no fim de semana. Praticamente acaba se tornando a vida do cara. Tenho uma meta de me manter em alto nível para ter uma oportunidade italiana e lá, em cinco anos, fazer a vida como atleta. Hoje não tem muitas chances para viver disso no Brasil. Treino para melhorar a cada dia — encerra Pietro.
As meninas também fazem bonito
Se o trio de meninos vai para a China, as meninas esbarraram nos altos custos. Para ir ao país asiático, seria necessário desembolsar cerca de R$ 5 mil por atleta em passagens aéreas.
Mas as meninas vêm fazendo bonito e colecionando títulos. Há um ano, foram vice-campeãs no Pan-Americano de Bocha, realizado na Argentina. Marlene Zilio, 29 anos, e Júlia Loss Pradella, 15, agora miram o brasileiro, que ocorre no fim deste mês – o título que as meninas ainda não possuem.
A conquista não é tão distante para quem tem poucas horas de treinos semanais e já chegou no topo dentro do continente.
— Gostaria de ter uma dedicação maior. As meninas que enfrentamos do Chile e da Argentina têm o dia inteiro dedicado aos treinos. Elas têm um staff para isso. A gente, que trabalha fora e tem família, não tem um tempo maior — conta Marlene.
Mesmo que não tenham levado o título continental, as duas estão satisfeitas. Afinal, a bocha está as levando para locais que sequer imaginavam e, principalmente, para poderem viver o que o esporte tem de melhor:
— Vai bem mais que um jogo. É uma família que eu tenho com as pessoas. Eu acho muito massa — afirma Júlia.
A tradição familiar está virando a vida das meninas e pode agregar ainda mais.