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Na luta contra o aquecimento global, os biocombustíveis colocam-se como uma solução para a redução da emissão dos gases de efeito estufa. Segundo o Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2024, divulgado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o ano de 2023 quebrou recordes com a produção de etanol e biodiesel. É o dado mais recente da ANP. Das comprovações dos benefícios em estudos e pesquisas, o produto derivado de biomassas renováveis ganha mais evidência em setores econômicos, com empresas adotando o uso dele ou buscando alternativas semelhantes, como é visto recentemente na Serra.
Segundo o anuário da ANP, a produção de etanol em 2023 foi de 35,4 bilhões de litros produzidos, um aumento de 15,5%. Enquanto isso, a de biodiesel foi de 7,5 bilhões de litros. Juntos, os biocombustíveis líquidos somaram mais de 43 bilhões de litros, o que consolidou o recorde histórico dos últimos 10 anos.
Professora e pesquisadora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a doutora em Ciências Biológicas Suelen Paesi destaca que o Brasil não é nenhum novato na área. O país, por exemplo, está entre os maiores produtores de energias renováveis, em que o biocombustível está inserido. Segundo a Enerdata, empresa independente de pesquisa especializada na análise e previsão de questões energéticas e climáticas, o Brasil está atrás apenas da Noruega na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis.
No país europeu, 98,3% da eletricidade é produzida com energias renováveis. Já no Brasil, são 89,3%.
— Nós temos um know-how muito histórico dentro da condição do etanol. E agora nós vivemos crescendo com o biodiesel. Começamos com 2% de biodiesel no óleo diesel. E agora a gente já está com 15%. Em março de 2025, vai ter 15% de biocombustível dentro do óleo diesel. Então nós estamos confirmando essa expertise em produzir biodiesel. E o biodiesel é um produto como o etanol, que vem de uma biomassa. E a biomassa é renovável. Se quisermos aumentar a produção do biodiesel, é só produzir mais sementes e usar os óleos residuais para gerar mais biocombustível. E o etanol é só plantar cada vez mais cana. E o biogás é um outro elemento que tem uma purificação e gera o biometano — explica a doutora em Ciências Biológicas.
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Mesmo entre os maiores produtores do mundo, a professora lembra que o país segue com potencial para aumentar essa quantidade. Consequentemente, a partir dela, toda uma cadeia pode ser alimentada, favorecendo também o surgimento de negócios e geração de empregos.
Diferentes saídas para o biometano
No Laboratório de Diagnóstico Molecular (LDM) da UCS, a equipe coordenada por Suelen faz pesquisas para otimizar a produção do biometano. Como explica a professora, o biocombustível tem o diferencial de ser produzido por resíduos, como o lixo. Ou seja, não precisa de uma cultura energética, como plantação de soja ou cana-de-açúcar.
— Pode obter ele dos resíduos e eles podem ser dos resíduos urbanos. Pode também ser produzido a partir de resíduos que sobram da agricultura, da pecuária e da indústria — conta Suelen.
Outros biocombustíveis, como biodiesel, por exemplo, geram um resíduo chamado glicerol. De alguma forma, essa substância também precisa ser decomposta, como acrescenta a pesquisadora:
— O biometano tem na minha percepção uma pegada muito ecológica, porque dá gerenciamento aos resíduos. Produz energia e diminui a pegada de carbono no meio ambiente. Os resíduos vão decompondo nos ambientes e o carbono vai sendo lançado para a atmosfera. Se tu captura esse carbono, tu deixa de emitir esse carbono. E aí, pode movimentar caminhões, ônibus, transporte escolar e os veículos particulares. O biometano é uma saída muito importante para o país, muito significativa também como biocombustível.
No caso dos veículos, o abastecimento poderia se dar pelos que utilizam gás natural. Conforme a professora, países mais desenvolvidos da Europa já olham com mais atenção para esses biocombustíveis por conta da eliminação e destinação de resíduos.
Conforme o panorama do biogás, do Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás), em 2023, o Brasil possuía 1,3 mil plantas de produção do biogás. Os Estados líderes nesse setor são Paraná, com 391 plantas, e São Paulo, com 341. O RS tem 71, sendo o sétimo Estado com mais estruturas. O país tem capacidade instalada para produção anual de 4,1 bilhões de metros cúbicos (m³) de biogás. Mas o potencial teórico, conforme a publicação, é de 84,6 bilhões de m³.
No país, a maior parte dos resíduos para a produção do biometano vem do lixo. Depois, vem da agricultura e da indústria. Especificamente do biometano, que é gerado pela purificação do biogás, a produção instalada anual é de 580 milhões de m³. Como destaca a professora, todo o lixo produzido por uma cidade, por exemplo, poderia virar o biocombustível.
— Imagina a beleza de chegar numa estação de tratamento de resíduos. Vamos supor ali no nosso Rincão das Flores. Encostar o carro lá e abastecer com biometano. Isso acontece em Lajeado — exemplifica a professora.
Fórum do Biogás e do Biometano
Um dos estudos realizados no laboratório da UCS é sobre o como otimizar a produção de energia com biometano a partir dos resíduos gerados. O tema tem uma importante ligação com o Fórum Sul Brasileiro do Biogás e do Biometano, que chega na 7ª edição neste ano e ocorre entre 8 e 10 de abril em Bento Gonçalves. Suelen, que também é coordenadora do fórum, conta que uma das ações deste ano será apresentar ao setor produtivo o processo chamado de digestão anaeróbia, ou biodigestão, em que microrganismos dos próprios resíduos decompõem o material e geram o gás.
São convidados produtores rurais, representantes da indústria de laticínios e vinícolas, além de secretários de meio ambiente de municípios.
— Nós avaliamos os resíduos da uva somados aos resíduos suínos, casca de arroz, enfim, vamos estudando os resíduos para poder definir. E especificamente o nosso laboratório também produz uma atividade muito rara no país, que é estudar os microrganismos que geram o biogás. Então, os resíduos são decompostos por microrganismos. Tu deixa um resíduo aqui, o resto de uma maçã, e os microrganismos consomem essa maçã e produzem esse tal de biometano. Então, quem são essas bactérias? Nós estudamos, nós extraímos o DNA dessas bactérias e analisamos quais as bactérias que estão ali, quais as que favorecem e quais as que não favorecem a produção — explica.
Na prática, municípios, empresas e produtores poderão também conhecer o sistema que produz o biometano e gera a energia a partir dele. Essa produção basicamente se dá em estruturas que são espécies de usinas, instaladas nas próprias propriedades. A partir dessa usina, conforme a necessidade, pode-se converter o biogás ou biometano em biocombustível para os veículos ou para produção energia elétrica.
O fórum terá também espaços para discussões sobre o biometano e o biogás e para negócios, em que interessados poderão conhecer essa estrutura. A realização é da UCS, CIBiogás, Embrapa e Sbera. As inscrições estão abertas no site do fórum.
A professora e pesquisadora lembra que o trabalho com a geração do biogás tem potencial para fortalecer toda uma cadeia econômica. Suelen usa como exemplo o setor agropecuário, em que os dejetos da produção podem virar o biocombustível:
— Quanto mais produção de proteína animal, mais o país vai se destacar com empregos, segurança alimentar e segurança econômica. Então, se conseguirmos achar destino para os resíduos, ainda mais poderoso fica o país.
Estudo envolve etanol e o hidrogênio
O etanol pode ser o biocombustível mais conhecido – apesar de que o biodiesel é mais antigo, com os primeiros experimentos datando do fim do século 19. No Brasil, o produto também tem grande tradição pelo etanol de primeira geração, especialmente o produzido a partir da cana-de-açúcar. Na UCS, um dos objetivos de uma nova pesquisa pretende levar o uso do etanol a um outro nível e que envolve o hidrogênio.
Aprovada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a pesquisa é específica para a produção de hidrogênio e a aplicação dele em produtos. O coordenador do projeto, Marcelo Godinho, conta que o planejamento prevê, assim, a instalação do Centro Estadual de Hidrogênio na UCS. A universidade ainda aguarda a assinatura dos contratos para divulgar mais detalhes. A expectativa é de iniciar o projeto neste ano.
— Uma das rotas que vão ser estudadas nesse Centro do Hidrogênio vai ser a rota de produção do hidrogênio a partir do etanol — explica o professor e engenheiro químico Marcelo Godinho.
O projeto também engloba a pesquisa de biomassas para a produção do etanol. Como explica Godinho, a cana-de-açúcar não é típica do Estado, então também deve existir a busca por essas matérias-primas. O etanol pode ser produzido, por exemplo, de batata-doce.
— Nós vamos ter a parte agronômica (na pesquisa da matéria-prima), depois vem para a parte da produção do etanol, e depois a terceira etapa é a produção a partir do etanol do hidrogênio. Nesse meio do caminho, nós temos a separação, porque quando pegamos um etanol e transformarmos em hidrogênio, não vai ser do outro lado hidrogênio puro, vai ser hidrogênio misturado com outras coisas, e temos que separar essas outras coisas para termos o hidrogênio puro — detalha o professor.
A professora da UCS e responsável pelo Laboratório de Enzimas e Biomassa, Marli Camassola, acrescenta que há países, como a Alemanha, que investem em veículos movidos a hidrogênio. Contudo, como a substância é bastante reativa (é usada em foguetes, por exemplo), o grupo vê uma oportunidade de gerar o hidrogênio a partir do etanol e aumentar a segurança no uso desse componente em motores automotivos.
— Como a gente já tem etanol, tem postos, tem todo um sistema para isso. Vamos aproveitar o que a gente tem para tentar propor e utilizar nessa lógica trazendo mais segurança a partir do etanol — comenta a pesquisadora, que é doutora em Biotecnologia.
O estudo busca testar tanto o etanol de primeira geração, quanto o de segunda geração, que é o produzido a partir dos resíduos que sobram do biocombustível de primeira geração, trazendo um reaproveitamento de biomassa. Para o de segunda geração, enzimas são utilizadas no processo. O laboratório também pesquisa quais dessas enzimas podem ser mais produtivas.
Etanol e a qualidade do ar
Apesar da grande oferta do etanol, a professora Marli Camassola vê que a escolha pelo biocombustível ainda é afetada por questões de mercado. Apesar do preço por litro ser mais barato que a gasolina, o rendimento do etanol é de 70% em relação ao combustível fóssil. Na quinta (13), por exemplo, o litro do etanol estava por volta de de R$ 5,10 e o da gasolina em R$ 6,20.
A pesquisadora chama atenção que há outros valores que poderiam entrar nessa conta e que muitas vezes são esquecidos. Um estudo publicado na revista Nature, em 2017, mostrou que a qualidade do ar de São Paulo (SP) tinha melhoras nos períodos em que o etanol estava mais barato e mais motoristas o utilizavam. A consequência era uma redução de problemas respiratórios.
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Alternativa sustentável para o consumidor
Uma parceria entre RodOil e a concessionária do serviço de transporte coletivo de Caxias, a Visate, destaca o uso de uma alternativa de combustível sustentável. Desde o fim de janeiro, um ônibus da frota da empresa ganhou uma adesivagem para simbolizar a redução da emissão de poluentes com o uso do diesel DuraMais+.
Conforme o presidente e fundador da RodOil, Roberto Tonietto, esse combustível recebe a nanotecnologia GreenPlus. Desenvolvido nos EUA, esse aditivo traz uma queima mais eficiente do combustível. Segundo órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), a redução de emissões de poluentes é de até 50%. Além do diesel DuraMais+, a distribuidora de combustíveis comercializa nos postos a gasolina DuraMais+.
— É um produto que tem a queima mais eficiente. Então, tem a queima mais eficiente do combustível. Ele vai, logicamente, te dar mais economia e vai reduzir as emissões também — destaca Tonietto.
A economia média da gasolina é de 10%. Segundo Tonietto, pode variar entre 8% e 12%, conforme o modelo do veículo. O presidente da distribuidora também conta que esse combustível tem boa procura no mercado, chegando a quase 30% das vendas nos postos. Já o diesel com a tecnologia é geralmente vendido diretamente a outras empresas, como transportadoras. No segmento do transporte coletivo, a Visate está há 60 dias em testes com esse combustível sustentável.
— A gasolina já estamos com esse produto há quatro anos no mercado. Antes de lançar, fizemos os nossos próprios testes e foram aprovados. Tem dois pontos focais desse produto. Primeiro, a economia. Segundo, a redução de gases. A redução de gases comprovada por um organismo ligado à ONU. Sobre a economia, antes de lançar fizemos os testes em vários veículos. E realmente comprovou a economia — detalha Tonietto.
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Parceria para utilização de biocombustível
No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, no fim de janeiro, a Randoncorp e a Be8 anunciaram uma parceria para a utilização do biocombustível Be8 Bevant® nos testes e homologações de veículos e componentes automotivos no Centro Tecnológico Randon (CTR), em Farroupilha. O acordo foi firmado pelo presidente da Randoncorp, Daniel Randon, e pelo presidente da Be8, Erasmo Carlos Battistella.
O CTIO da Randoncorp, César Augusto Ferreira, explica que o grupo tem o compromisso de reduzir em 40% as emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2030. A parceria, assim, contribui com a meta:
— Este é mais um passo na direção da descarbonização de nossos testes. O primeiro foi a implantação de uma usina fotovoltaica equipada com aproximadamente 2,4 mil painéis solares, capaz de gerar 1,3 MWp (megawatt-pico). A capacidade é suficiente para atender tanto a demanda energética atual quanto a futura do CTR, incluindo o carregamento da frota de veículos elétricos dos nossos clientes em testes.
O biocombustível usado em motores a diesel pode ser utilizado 100% puro, reduzindo significativamente a emissão dos gases, conforme Camilo Adas, diretor de Transição Energética da Be8. A produção dele ocorre em Passo Fundo.
Conforme a assessoria de imprensa da Randoncorp, o Centro Tecnológico Randon está habilitado ao Programa Mover, idealizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e voltado para apoiar a descarbonização dos veículos brasileiros, o desenvolvimento tecnológico e a competitividade global. O espaço tem 92 hectares de área e ampla estrutura tecnológica, além de contar com um campo de provas com mais de 20 tipos de pistas.