Mais eficiente, assertiva e tecnológica. A essência da Quarta Revolução Industrial, fase em que o segmento da indústria vive, busca implementar novas tecnologias para aprimorar processos e maximizar resultados. Apesar do conceito da Indústria 4.0 ter surgido há pouco mais de 10 anos, a tendência cresce neste momento entre as empresas.
Dados da Pesquisa de Inovação Tecnológica semestral (Pintec), de 2022, apontam que cerca de 85% das empresas no país usavam tecnologias digitais avançadas. No entanto, a perspectiva para os próximos anos é de que a adesão aos sistemas integrados, digitalização, análise de dados e inteligência artificial cresça. Isso porque esse conjunto de tecnologias já se mostrou eficaz para elevar a qualidade e precisão na cadeia produtiva.
Doutor em Engenharia Mecânica e com pós-doutorados em Otimização, pela Monash University (Austrália), e Otimização Global, pela Naval Postgraduate School, nos EUA, o professor da Universidade de Caxias do SUL (UCS) Leandro Luis Corso diz que a incorporação das ferramentas tecnológicas no cotidiano das empresas possibilita avanços que eram considerados inalcançáveis há alguns anos.
– Já existem sistemas que conseguem antecipar falhas em equipamentos com semanas de antecedência. Outros preveem mudanças de mercado, estimam variações na demanda e até identificam fatores de risco. Essas inovações têm promovido redução de custos operacionais, otimização de recursos e maior previsibilidade – detalha Corso.
Conforme o professor, os reflexos da expansão tecnológica na indústria são vistos em setores variados. Na logística, por exemplo, Corso relata que ferramentas com visão computacional têm sido essenciais na inspeção de qualidade, além de otimizar fluxos logísticos. O resultado é menos desperdício e maior eficiência na armazenagem e transporte.
Em diversos casos, a inteligência artificial é apontada como uma das principais aliadas no aperfeiçoamento dos processos. A capacidade de processar grande volume de dados, identificar padrões complexos e oferecer direcionamento estratégico com precisão, tornam essa tecnologia um dos pilares da Indústria 4.0.
– Em um projeto que desenvolvi com uma empresa do segmento metal mecânico, da Serra, o desperdício de matéria-prima caiu 80% após a adesão à inteligência artificial. Já em outra indústria do metalmecânico, também na região, houve incremento superior a 20% no lucro em poucos meses – exemplifica.
Além das mudanças internas, o desenvolvimento da Quarta Revolução Industrial deve influenciar o mercado de trabalho. O professor prevê que, gradativamente, funções repetitivas e operacionais deverão ser automatizadas e, simultaneamente crescerá a demanda por profissionais da área da tecnologia:
– Existe grande preocupação quanto aos empregos, mas, na verdade, é uma grande oportunidade. A propensão é que profissionais deste segmento ganhem mais espaço no mercado. É um processo que ainda vai levar tempo, principalmente nas empresas de menor porte, que ainda não aderiram totalmente à nova fase.
Soluções de aprimoramento
A versatilidade das novas ferramentas também tem fortalecido estratégias. É o caso da Tramontina, que viu na Indústria 4.0 oportunidades para desenvolver a produtividade ao mesmo tempo que melhora a qualidade, segurança e sustentabilidade.
O diretor industrial da empresa, Eduardo Portolan, diz que a adoção da tecnologia nas unidades da empresa abriu caminho para avaliar processos e fazer das unidades fabris espaços inteligentes.
– Entre tantas tecnologias que apostamos, diria que o MES (Manufacturing Execution System, Sistema de Execução de Manufatura) é um exemplo de sucesso. Esse sistema, desenvolvido pela equipe da Tramontina, controla a produção em tempo real. Essas informações são coletadas e nos ajudam a ter o domínio de quantas peças são produzidas por hora, manter o padrão de qualidade e reduzir o uso de matéria-prima – detalha Portolan.
Outro investimento que aumentou a precisão do trabalho é o sistema de visão. Câmeras foram posicionadas próximas aos equipamentos da produção, monitorando a ação. A partir de um padrão previamente estabelecido, o sistema identificar se alguma etapa do processo falha.
– Conseguimos ampliar a segurança, porque não necessita mais do operador olhando o equipamento trabalhar, e aumenta a qualidade. São menos erros acontecendo, menos peças fora do padrão e, por consequência, menos retrabalho.
O próximo passo é instalar sensores que coletam dados para detectar anomalias no funcionamento e defeitos. A medida irá reduzir a ocorrência de falhas e manter a produção em andamento. E se estuda usar a realidade aumentada na projeção de cozinhas profissionais e manutenção de equipamentos.
O centro logístico da empresa também passará por inovações com a chegada de um exoesqueleto para auxiliar os operadores a levantar cargas e armazenamento integrado com a inteligência artificial para a tomada de decisão.
– Essas mudanças são ferramentas para resolver os desafios que surgem ao longo do caminho – diz.
Conexões para o controle da produção
Ainda no ano de 2019, o setor de engenharia da Sulbras, empresa de moldes e dispositivos de Caxias do Sul, planejava adotar a comunicação industrial na linha de produção. A ideia ganhou força nos anos que se seguiram, e, em 2024, um protótipo totalmente desenvolvido pela empresa começou a operar.
Na prática, a equipe de engenharia desenvolveu um sistema de coleta de dados diretamente de uma das máquinas. Informações de 55 parâmetros da produção são compiladas e organizadas em tempo real, sendo anexadas em uma planilha.
– A partir dessas informações nós conseguimos observar a produção dessa máquina e traçar um parâmetro de trabalho. Ao notar que os dados estão fora desse padrão, identificamos em tempo real possíveis falhas na operação. Então, se torna muito mais fácil e rápido para corrigir esses erros e impedir que um número expressivo de peças saia da linha fora do padrão – explica o gerente de engenharia Flavio Venzon.
Além desse projeto, a fábrica conta com um sistema de câmeras que capta imagens da produção de bobinas do sistema de combustível. Antes de finalizar, as peças são analisadas pelas câmeras, que fotogravam os materiais e identificam falhas.
O próximo projeto que a empresa visa desenvolver é um sistema para manutenção preventiva. Segundo Flavio Venzon, a ideia é instalar sensores que coletam informações e enviar esses dados para um sistema, que será desenvolvido pela empresa.
Atualmente os colaboradores fazem a coleta de informações na produção de forma manual, a cada duas horas. Além de automatizar a função, o novo sistema terá dados em tempo real, aumentando o controle sobre os processos.
Reflexos em outros setores
Para além da indústria, outros segmentos têm se inspirado na Quarta Revolução Industrial para facilitar o cotidiano. A TCA Contabilidade, de Caxias, é um exemplo que aderiu a computação na nuvem e integração de sistemas, se tornando uma das primeiras a operar 100% no digital.
O ponto de partida para a virada digital aconteceu a partir de um levantamento sobre gastos com impressões. Em dois anos, o escritório atingiu 365 mil impressões de folhas, com custo total de R$ 18,5 mil. A partir disso, duas telas foram implementadas, permitindo a conferência de dados e a redução de papel no escritório. Atualmente, a empresa opera com 300 impressões por mês.
– Lembro que tínhamos 11 impressoras no escritório. Hoje, é apenas uma e com uso limitado. Além de todo aquele papel, nossa rotina tinha muito trabalho repetitivo. Foi o momento em que entendemos que a mudança era necessária – explica o diretor Fabiano Ramos Toigo.
Desde então, o escritório trocou o servidor físico (computador central com as informações da empresa) por uma versão online, adotou um chatbot para entregar automaticamente documentos para os clientes, além de desenvolver internamente 15 sistemas para executar tarefas antes feitas manualmente. Só no ano passado, o escritório obteve uma redução de 114 horas de trabalho com tarefas repetitivas.
– Conseguimos automatizar o download das mensagens de clientes na plataforma do governo federal, realizar o download das notas fiscais desses clientes emitidas no site da prefeitura e importá-las para o nosso sistema e ainda ajustar essas informações dentro da nossa plataforma. Isso deixa o colaborador com mais tempo para outras funções, sobretudo para analisar as informações – detalha o gestor de Tecnologia da Informação, Salvador Oliveira.
A inovações também foram estendidas aos clientes do escritório. A partir de um aplicativo, desenvolvido pelo setor de TI, será possível ter o controle das tarefas mensais do escritório, bem como centralizar a comunicação com integrações com o WhatsApp. Neste ano, a empresa pretende expandir o setor de TI para investir em projetos que reduzam a ação de terceirizados no escritório.
Conceitos centrais da Indústria 4.0
Integração de sistemas: união de sistemas que compartilham informações
Sistema ciberfísico: integração de componentes físicos (máquinas e sensores) com sistemas digitais, para o processamento de dados e tomada de decisão
Computação na nuvem: fornecimento de serviços de computação, como armazenamento, banco de dados, análise, entre outros via internet
Inteligência artificial: conjunto de tecnologias que possibilitam que aparelhos executem funções de forma quase autônoma
Big data: área que estuda e analisa grandes conjuntos de dados e informações
Banco de dados digital: conjunto de informações organizadas e armazenadas em um sistema