Na última quarta-feira, o navegador, escritor e palestrante Amyr Klink esteve em Caxias do Sul para participar do 3º Fórum Estadual de Energia Solar e Eficiência Energética, que ocorreu no Parque da Festa da Uva. Aos 67 anos, o autor de best-sellers como Cem Dias Entre o Céu e o Mar (1985) e Mar Sem Fim (2000) tem se dedicado cada vez mais a passar um pouco da experiência em alto mar a públicos interessados em saber mais não apenas sobre suas vivências, mas como elas podem ser aplicadas no cotidiano em terra firme de quem busca seus próprios rumos. Antes da palestra, o Sete Dias conversou com o navegador. Confira:
Podes falar um pouco sobre o tema desta palestra, em que o senhor vincula o sucesso ao planejamento?
Amyr Klink: Um dos grandes requisitos para o sucesso é saber planejar. Fiz viagens muito longas e complexas, que demandaram um esforço muito grande de preparar autonomia, de ter suprimentos para mais de três anos. E esse tema da gestão de recursos está muito em voga. Há uma tendência cada vez maior no mundo de buscar mais eficiência e coibir o desperdício, e o Brasil não é um país eficiente. Ainda tem muito desperdício em áreas como construção civil e alimentação, por exemplo.
É um tema ao qual não damos a devida prioridade?
Vejo avanços, mas o Brasil ainda tem um caminho muito longo para percorrer, porque ainda é um país muito burocrático, onde, para montar um negócio sustentável, você leva 15 anos, enquanto nos EUA você leva 10 ou 15 dias. Nisso o grande receio que tenho é que muitas das boas cabeças que a gente tem estão sendo perdidas para o exterior. Porque a concorrência internacional é muito forte. Se por um lado o mundo está ficando cada vez mais fechado, em retenção de talentos humanos os países desenvolvidos estão cada vez mais abertos. Falo de países como Japão, Coreia do Sul, Chica, Singapura, Alemanha. No Brasil nós temos muita faculdade de Direito e pouca faculdade que envolva pesquisa, ciências matemáticas e programas de longo prazo para reter talentos.
Apesar de estar no tema da palestra, em entrevistas anteriores percebi que o senhor tem um problema com a palavra sucesso…
Vejo que tem muita gente falando em sucesso como uma espécie de autoajuda, e eu tenho alergia a todo tipo de autoajuda. São pessoas que não fizeram o banco, não construíram o prédio, só têm o dom de falar. Eu gosto de conversar com quem faz. Tem uma diferença muito grande. Eu não sou engenheiro, não sou construtor naval, mas fui obrigado a me cercar de competências necessárias para o que eu gosto de fazer. O fato de não ser um especialista me obrigou a ouvir as pessoas que sabem como fazer.
O senhor encontrou uma fórmula para poder falar, a partir da sua própria experiência, sobre os mais diversos temas. Como o senhor encara esse papel de transmitir conhecimento através de palestras?
É algo que ainda me deixa nervoso, mesmo tendo quase três mil horas de palestras dadas. Mas quando falo sobre algo que eu domino, é mais fácil. Fiz mais de 40 viagens para regiões inóspitas do planeta, onde a navegação é extremamente difícil, e nunca precisei pedir socorro, nunca cheguei arrebentado com mordida de tubarão ou com o barco vazando. Sempre estive com o barco pronto para viajar no dia seguinte. E isso foi fruto de muita persistência, às vezes quase excessiva, de fazer bem feito. Não de fazer o extraordinário, mas fazer bem o simples.
É importante aprender com os erros?
O brasileiro segue um pouco do modelo norte-americano de se inspirar pelo sucesso alheio, e eu não gosto desse modelo. Acho que você aprende muito mais com os erros. No maré muito importante aprender com os erros. Principalmente os dos outros, porque você não pode errar muito (risos).
O que mais te preocupa quando pensas no futuro do planeta?
Tenho muita preocupação em relação a conflitos bélicos em países onde a questão da sustentabilidade fica relegada a segundo plano. O mundo está se impermeabilizando, com fronteiras cada vez mais estanques, e isso também preocupa muito. Países subdesenvolvidos também me preocupam muito, e coloco o Brasil como um deles, mas num patamar diferente, porque ao mesmo tempo somos exemplo para o mundo em áreas como agro e indústria. Porém, se um empresário sueco vem ao Brasil, por exemplo, ele tem vontade de se matar, tamanha é a burocracia para quem quer empreender. A dificuldade para conseguir um alvará, uma patente... a Suécia é rica porque eles têm uma cultura de patentes. O Vale do Silício produziu tanta riqueza por ter essa mesma cultura. No Brasil todo mundo ainda copia, faz de qualquer jeito.
O crescimento desenfreado também é preocupante. Muitos dos conflitos africanos ocorreram por efeitos climáticos, como a redução de fontes de água potável, conflitos de fronteiras, disputas étnicas…questões que o Brasil não conhece e que espero que não venha a conhecer.
Pretendes escrever mais livros? Tens algum em produção?
Gosto muito de escrever, mas é um processo que demanda muita energia. Estou, lentamente, escrevendo sobre assuntos engraçados que vivi, algo como tudo o que deu ou poderia ter dado errado. Porque é muito conhecido esse lado da história que deu certo, mas ninguém sabe dos tombos que tomei antes. Será um livro sobre uma parte mais obscura, mas que se eu não tivesse passado por ela, nada teria dado certo.