Sou Daniel de Souza, dependente químico há 20 anos. Estou buscando uma vida melhor. Na verdade, meu presente seria voltar a ver meu filho.
Sei que isso não seria possível a você que lê esta carta conceder esse presente, mas peço que reze a Deus para que eu consiga receber este presente.
Obrigado
A carta reproduzida acima foi escrita por Daniel de Souza. Ele tem 34 anos, enfrenta o alcoolismo há duas décadas e, há cerca de três meses, foi acolhido pela Casa de Passagem São Francisco de Assis, em Caxias do Sul, após 25 dias morando nas ruas.
O apelo de Daniel é um dos 67 pedidos reunidos pelo projeto Se Esse Natal Fosse Meu, organizado pela Fundação de Assistência Social (FAS), visando proporcionar um final de ano mais digno às pessoas em situação de vulnerabilidade atendidas pelo Centro Pop Rua e pelas casas São Francisco e Carlos Miguel dos Santos.
Todas as cartinhas, escritas à mão, estão disponíveis para leitura na internet e podem ser adotadas pela comunidade. Entre os pedidos, em sua maioria por calçados e peças de roupa, o desejo de rever o filho foi um dos que mais chamou atenção da equipe do Almanaque, que foi até a casa de passagem, no bairro Cinquentenário, conhecer de perto a história.
Diariamente, Daniel retorna do emprego no canil municipal por volta das 18h30min. Na última quarta-feira, no entanto, ele recebeu a reportagem no início da tarde. Uma indisposição decorrente dos 20 anos de vício o impediu de trabalhar naquele dia.
— O alcoolismo vai debilitando o organismo. Não dá vontade de comer e nem de viver. Eu acabei adquirindo depressão, fraqueza no corpo, angústia, ansiedade. Hoje tenho problemas de esquecimento. São sequelas que o álcool traz.
Natural de Erechim, município no Norte gaúcho, Daniel veio morar em Caxias ainda bebê, com a família. Único filho homem entre seis irmãs, ele conta que teve todas as oportunidades para um vida confortável, mas acabou prejudicado pelo álcool.
— Meu pai ajudou a pagar a faculdade das minhas irmãs e hoje são todas bem resolvidas. Eu optei por outro caminho, de um prazer ilusório. Cheguei a morar seis anos na rua. Pegava dois ou três pila e comprava uma garrafa de cachaça. Uns falam que alcoolismo é falta de vergonha na cara, mas, lá no fundo, é uma doença que eu luto para superar.
Num dos relacionamentos que manteve, entre os períodos morando na rua e as tentativas de tratamento em comunidades terapêuticas, Daniel teve seu único filho, que completa sete anos no final de dezembro.
— Eu queria ter levado um vida normal: casa, esposa, filho. Cheguei ficar três anos sem usar nenhuma substância e acompanhei ele crescer um pouquinho . Por mais que não pareça uma coisa difícil, me manter sóbrio ainda é complicado. E aí as pessoas que estão em volta acabam se machucando: minhas irmãs, meus pais, os amigos que eu perdi — relata em tom sereno.
Não há nenhum impedimento legal para Daniel ver o filho, que mora com a mãe, em Caxias do Sul. Trata-se de uma decisão pessoal: ele não quer que o menino o veja mal, em tratamento.
E não é por acaso que a carta pede orações. Afinal, é à fé que recorre nos momentos difíceis, carregando sempre consigo a guia de umbanda: uma espécie de colar de contas coloridas adornado por um búzio e um crucifixo.
Para 2020, Daniel quer vida nova. Já na próxima semana, deixará a casa de passagem e alugará um quarto de pensão, o que ele descreve como "mais um primeiro passo".
— Por que tenho fé? Porque tem que ter algo maior do que eu e que a minha doença. Hoje o único sonho que tenho é voltar a ver meu filho. Quero continuar tocando minha vida. Nada melhor que um dia após o outro.
SE ESSE NATAL FOSSE MEU
:: Entidades beneficiadas: Centro Pop Rua, casas de passagem Carlos Miguel dos Santos e São Francisco de Assis.
:: Quem promove: Fundação de Assistência Social (FAS).
:: Como ajudar: as cartinhas podem ser lidas no site da prefeitura de Caxias ou na sede da FAS (Rua Os Dezoito do Forte, 423). Os pedidos podem ser adotados até 13 de dezembro.
:: Mais informações: pelo telefone (54) 3220-8725.