Viajar tem sido parte constante da minha rotina há uns dois anos. Tenho feito mais jornadas longas do que curtas. Não dirijo, sempre sou levada. Não acho ruim, mas desconheço a sensação de conduzir a própria viagem.
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Gosto de sentar nos primeiros bancos, quando o ônibus é daqueles de dois andares, para ter a vista panorâmica da estrada, e também porque fico tensa em qualquer tipo de viagem, e poder ver a estrada me acalma. Aquela coisa da ilusão do controle e a nóia de que o que está segurando o universo é o fato de você estar acordada, enfim, bobagem. Só que numa viagem noturna de, digamos, seis horas, naquelas em que você precisa tomar um dramin ou um relaxante muscular, para sacudir macio até o destino, sem enjoo, sentar nas poltronas da frente não é o mais indicado. As luzes dos carros, dos postes, dos controladores de velocidade, tudo se torna um empecilho para sua soneca mínima, aquela mínima, em que o universo todo sai do seu controle e incrivelmente continua em perfeita harmonia. O cochilo é necessário, para que haja fé. Em viagens mais curtas, gosto de sentar à direita, na metade do ônibus, porque, uma vez, um amigo me disse que era o lugar mais seguro, menos propenso a acidentes fatais. Em aviões, nada disso importa. Nem o tempo, nem a posição. Importa que haja filmes e telas e revistas e livros à disposição para que eu possa preencher a minha cabeça com todo tipo de coisas e não precise lembrar a todo momento que estou voando num tonel. Vez em quando, uma bebida ajuda.
Mas é engraçado, para mim, esses deslocamentos sempre me colocam num humor esquisito, num estado corpóreo que é o próprio trânsito, imanente ao ser, a ideia de que estamos constantemente indo a algum lugar, que, em última instância, é a morte.
Simples.
Certas pessoas aceleram sem medo das curvas, do cascalho, de ladear algum peral. Ou peregrinam lentamente suas rotas. Outros não querem nunca descer de seus motores, e fantasiam ser passageiros eternos. Alguns abreviam a viagem. Corte brusco e ficam um pouco apenas por inércia. De minha parte, sou aquela que está sempre consciente do movimento, mesmo da inércia, e que está sempre consciente do dia em que a resistência, a força, o longe acabarão.
Mas isso são apenas pensamentos que me ocorrem durante essas viagens noturnas.