Encontrei uma amiga muito querida. Ela me convidou para um café em sua casa. Eu prontamente aceitei, afinal, fazia um tempão que não nos falávamos, e como eu estava de folga, achei que a ocasião era boa. Chegando lá, ela olhou para meus dentes e disse "Natalia, acho que o que você tem aí é uma cárie, hein, deixa eu ver." Abri a boca e ela observou meus dentes, "é, parece que teremos que abrir isso." Quando o marido dela chegou do trabalho, se deparou com esta cena: sua mulher, meio que sentada em cima de mim, enfiando uma colher de chá na minha goela. Logo que ela viu o marido, gritou: "Fulano (preservo os nomes) veja se isso não é uma cárie." Afastou bem minha bochecha dos dentes. "É sim." Disse ele, olhando de longe.
Tomei o café com açúcar e desconforto. Vejam bem, meus amigos não são dentistas. Ela é dona de uma loja de aromas e ele administrador de empresa.
Vencendo o constrangimento, continuamos os três a beber. Uma hora depois, quando estava me despedindo, eles me disseram para sentar e ficar tranquila, pois cuidariam do meu dente, antes de eu ir embora.
Atônita, tentei embarcar naquela loucura e disse que não precisavam se incomodar, eu procuraria uma dentista naquele dia! Mas eles insistiram. Minha amiga veio pra cima de mim com a colher novamente. "Fulano, pega a maleta com os instrumentos." "pra já." Aquilo devia parar. "Que absurdo!" eu gritei. "Vocês não são dentistas! Vocês não entendem nada disso!" Minha amiga, sentou calada no sofá, ajeitou o cabelo, fez uma cara de profunda decepção. O marido, que segurava uma maletinha preta, parou sob o batente da porta e me olhou ressentido. "Poxa", ela disse "a gente só queria te ajudar com esse problema." Perguntei “que problema?", "o da cárie", eles disseram juntos. "Mas vocês nem sabem se eu tenho uma cárie mesmo." Ela foi se aproximando lentamente e, tocando meu ombro, disse "é por isso que gostaríamos de olhar melhor, entende? Pro seu bem." O marido já abrindo a maletinha, ela continuou, "talvez você não saiba o que é melhor, deixa a gente te ajudar, ademais, é nosso novo hobby." Eu perguntei, meio sem entender, qual era o novo hobby, e os imitei no sotaque afetado. "Somos especialistas." Especialistas? Eles assentiram com as cabeças numa sincronia bizarra. "Política, economia, saúde pública, educação, CLT, o que mais, querido?" "Arte!, higiene oral", disse ele sorrindo arreganhadamente. "É porque resolvemos dar um passo à frente, sair da zona de conforto, entende?" Não, eu não entendia. "Porque só dar opinião nas redes sociais já estava sendo pouco, sabe, como diz aquele cara que é best seller da internet: ouse!" ao que o marido respondeu "faça!". "Estamos fazendo."
Eu fui abrindo a boca em sinal de incredulidade. Mas eles acharam que era um aval.