Experiência de centenária, vitalidade de adolescente. Prestes a completar 102 anos em outubro, a vinícola Peterlongo, de Garibaldi, tem a revitalização como palavra de ordem. Um projeto ambicioso para reerguer a imagem da empresa responsável por elaborar o primeiro espumante brasileiro e, a partir daí, dar início a história da bebida no país. Adquirida em 2002 por empresários com tradição na fabricação de pneus para motocicletas que decidiram apostar em um negócio praticamente falido, acumulando uma dívida aproximada de R$ 30 milhões, a Peterlongo vem passando, desde então, por uma série de reformulações para conquistar novamente o status outrora ocupado no setor vinícola.
– Se nós não a tivéssemos adquirido, ela teria morrido. Seria só história. Não estava falida, mas em estágio pré-falimentar. Foi meio que uma loucura. Foi um peitaço! – lembra o sócio-diretor Luiz Carlos Sella.
Nos primeiros oito anos, toda a energia concentrou-se em tirar a empresa do vermelho. O passo seguinte, já com as contas em dia, foi investir em estrutura, imagem e produtos. Em setembro 2015, por meio do amigo Renato Castro Marincovic, na época cônsul chileno no Brasil, Sella conheceu o enólogo francês Pascal Marty (foto abaixo), radicado no Chile há nove anos. Dois meses depois, Marty já estava na Serra para visitar vinícolas e conhecer a produção de uvas e vinhos. Na ocasião, assinou um contrato de 10 anos com a Peterlongo, assumindo a missão de dar uma nova cara às linhas de espumantes e vinhos finos, que passaram a ganhar mais atenção da empresa.
– Luiz me disse que tinha uma meta que ia muito além de apenas fazer um espumante, mas também criar uma linha de vinhos, e isso despertou imediatamente meu interesse porque é o que mais me interessa, que é o vinho tranquilo (como é denominada a bebida sem borbulhas). O espumante também, mas nisso o Brasil já está desenvolvendo um papel interessante. Em nível do vinho, está ainda começando. Há muito por fazer e o caminho está totalmente livre – afirma Marty.
Responsável por projetos consagrados no mundo do vinho como Almaviva e Opus One, Marty também presta consultoria a vinícolas nos EUA e China. No Chile, é sócio da Viña Marty, que produz vinhos, desde 2008, em Curicó Valley, 200 quilômetros ao sul de Santiago.
– O bom do Brasil é o tamanho do país. Não é um país, é um continente. Portanto, definir o que é um vinho brasileiro é complicado, porque depende de que zona estamos falando, se é da Serra, do Norte... São vinhos que vão ser totalmente diferentes (uns dos outros). Os climas são diferentes, os solos são diferentes, não se pode fazer um vinho brasileiro. Tem de ser muito mais regionalizado. E isso é um pouco do que estamos tentando fazer nesse momento, que é encontrar um vinho que leva o caráter e a imagem que queremos difundir.
Investimentos e resultados na taça
Entre o pagamento de dívidas e investimentos na aquisição de 28 tanques de aço inox com capacidade total de armazenagem de 150 mil litros de vinhos, mais de 100 barricas de carvalho francês e prensa para uvas tintas, além da remodelação do setor de recepção e tratamento das uvas, já foram destinados mais de R$ 50 milhões.
Os resultados da chegada de Marty são perceptíveis na taça. Desde que começou a trabalhar em Garibaldi, promoveu um upgrade nas linhas Terras, direcionada a supermercados e à exportação, e Armando Memória, focada em lojas especializadas, delicatessens e restaurantes.
Repaginada, a linha Armando Memória é hoje a de mais alta gama da Peterlongo. Disponibilizada ao mercado em abril com os varietais tintos Merlot, Cabernet Sauvignon e Tannat, deve ganhar, até o fim do ano outros dois rótulos: Teroldego e Touriga Nacional, todos em lotes limitados que não ultrapassarão as 5 mil garrafas.
Atualmente, a empresa possui 33 hectares plantados em Encruzilhada do Sul, onde são cultivadas as variedades Pinot Noir, Chardonnay e Merlot. No caso da Tannat e Cabernet Sauvignon, as uvas são produzidas na região da Campanha Gaúcha, na Bellavista Estate, propriedade do comentarista Galvão Bueno, que tem vinícola própria na cidade de Candiota. Touriga Nacional e Teroldego são de outro fornecedor, em Encruzilhada do Sul.
Outro reflexo da mão de Marty, que conta com o auxílio da engenheira agrônoma também francesa, Carole Dumont, e da enóloga Deise Tempass, é a reformulação da linha Terras, que ganhou dois novos rótulos – Terras Carménère e Terras Sauvignon Blanc (garrafas ao lado), ambos provenientes do Chile – ficando com sete produtos de consumo rápido e teor alcoólico moderado.
Até 2020, a missão da equipe liderada pelo francês é elaborar aquele que será o vinho ícone da empresa, que muito provavelmente será um corte com duas ou três uvas.
– Não creio que possamos continuar apenas com Cabernet Sauvignon, Merlot e Tannat. Qual é o país do mundo que não faz Cabernet Sauvignon, Merlot e Tannat? Não é uma identidade. Nem mesmo Bordeaux, que é uma das regiões mais conhecidas do mundo, produz Cabernet Sauvignon ou Merlot. São vinhos de corte e isso que é a atração porque tem 250 chateaux, um depois do outro, e todos os vinhos são diferentes, mas todos trabalham com as três cepas: Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot. E Cabernet Franc. E todos os vinhos são diferentes, porque cada vinho tem seu corte, que foi adaptado ao seu solo, ao seu vinhedo e ao que eles querem fazer. Isso é o que temos que fazer aqui.
Sella mira mais alto. Para o empresário, que se acostumou a beber vinhos somente após a aquisição da empresa ("Antes tomava pouquíssimo ou quase nada de álcool"), o desejo é que não seja apenas um ícone da Peterlongo, mas do Brasil.
– Não esperava que fosse tão bom, tão gratificante, mas também não sabia que era tão competitivo. É um mercado com muita oferta, muitas opções, então tem que se destacar – reflete o empresário. – É uma história muito rica e encanta não só a mim, mas a todos os brasileiros.
Saiba mais
O portfólio da Peterlongo conta com 43 produtos, entre espumantes, vinhos, frisantes, gaseificados sem álcool e sucos de uva.
Atualmente, a vinícola exporta para três países: China, Colômbia e Paraguai
Além do processo de vinificação, outro setor que recebeu investimentos é a recepção de turistas, que será remodelada, e um novo roteiro, incluindo um museu contando a história da empresa, deve ser lançado até outubro, quando a Peterlongo festeja o 102º aniversário.