O reconhecimento nacional veio com a participação como júri fixo do programa de culinária Masterchef (exibido no Brasil pela Band), mas a verdade é que a trajetória e a personalidade de Henrique Fogaça vão muito além do que as câmeras de tevê conseguem captar.
Intensidade talvez seja a palavra que mais combina com o chef paulista de 42 anos. Ele a carrega em tudo que faz, seja em deliciosos pratos, seja em suas outras muitas paixões, como o muay thai, o motociclismo e o hardcore (emprega sua voz rouca como vocalista da banda Oitão).
A simplicidade é outra de suas características mais intrísecas, coisa de quem aprendeu a cozinhar com a avó e, até hoje, não dispensa um bom PF. Se você perguntar como Fogaça foi fascinado pelo glamouroso mundo da culinária, ele logo vai tascar:
– Pela vontade de comer bem (risos).
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É que, quando mudou-se do interior de São Paulo para a capital, Fogaça era bancário e consumia basicamente só comida congelada. Foi tentando dar um pouco mais de sabor à própria sobrevivência que ele descobriu a gastronomia.
– Um dia resolvi comer alguma coisa melhor e liguei para minha vó pedindo a receita de um bife empanado que ela fazia. Nisso eu comecei a cozinhar e não parei nunca mais. Já tem 15 anos – diz.
Hoje, o chef é dono de quatro estabelecimentos e projeta levar seu tempero para o exterior em breve. Na comida, sua personalidade – ora durão, ora manteiga derretida – se confunde, dando o ponto certo a qualquer mistura.
Confira a entrevista que Henrique Fogaça concedeu ao Pioneiro, durante passagem pela região na última semana.
Pioneiro: Na tevê é sempre difícil separar personagem de personalidade. Os espectadores conhecem o mesmo Fogaça de fora das telas?
Henrique Fogaça: Muitas pessoas falam “nossa como você é bravo! Você não é que nem lá na tevê né?”. E eu sou bem daquele jeito. Estou ali como um juiz, não posso passar a mão na cabeça dos participantes. É o meu jeito. Eu não sou artista, não sou ator. Desde o começo, eu mostro ali o que realmente sou.
Mas muitas vezes o lado humano também fica aflorado. Como no momento que você falou da sua filha especial e muita gente fiou comovida, ainda na primeira temporada...
Eu sou um ser humano normal como qualquer um, eu sinto, eu choro, eu sorrio, tenho sentimentos. Eu tenho uma filha especial, que tem 10 anos, e ela estava no hospital naquela semana da gravação do programa. Aquele dia eu estava meio fora, minha cabeça estava muito pensando nela. Daí eu comi uma comida que não tinha gosto de nada e me lembrou o hospital. Enfim, foi algo espontâneo, mas como eu estava pensando muito nela, acabei dando aquele feedback. Acabou tendo uma repercussão gigante.
Com o reality 200 Graus (que acompanha somente a vida de Fogaça, exibido pelo Discovery Home & Health), a exposição da tua personalidade e da tua vida aumentou mais ainda. Isso chega a desgastar, de alguma maneira?
É diferente porque acabou expondo um pouco minha vida pessoal, as coisas que eu gosto de fazer. Gravamos durante nove meses e no começo foi beleza, mas depois começou a encher um pouco o saco. Os caras estão atrás de mim toda hora, tudo que eu vou fazer... mas quem tá na chuva, né? Só que algumas coisas eu evitei de fazer, o que envolvia muita intimidade. Aparece meu filho, minha filha, acho que vai passar no último episódio, com meus pais. Mas é de leve, mostrando um jantar que fiz para eles.
Como você enxerga sua evolução como chef?
Eu comecei de baixo, fazendo estágio, abri o (restaurante) Sal pequeninho, fui criando as coisas. Acho que o amor pela profissão, minha vontade e determinação têm me levado para acontecer tantas coisas. Hoje eu tenho quatro estabelecimentos, o Sal é o mais velho, tenho o Cão Véio, que é um pub, tem o Jamile, que é um restaurante contemporâneo, e tenho um bar chamado Admiral’s Place, que é de coquetéis e tapas. As coisas foram indo naturalmente devido ao meu esforço, a minha vontade de criar, de fazer, de acreditar. Eu não tenho medo de arriscar. Consegui ter êxito no meu trabalho com identidade, com conceito, com alma. Esse é o gande diferencial.
Há diferenças entre ser um cozinheiro e ser um chef?
Eu sou um cozinheiro e acho que me tornei um chef de cozinha depois de alguns anos de profissão, porque é muito fácil a pessoa ir lá e fazer uma faculdade, sai da faculdade e diz: “sou um chef de cozinha”. Não é isso. O pessoal tem que entender o funcionamento de uma cozinha, saber liderar uma equipe, saber criar pratos, entender um pouco da parte administrativa. Tem de ralar muito para conquistar seu espaço.
Quais são teus ingredientes preferidos?
São ingredientes simples. Eu gosto muito de ervas: alecrim, tomilho, sálvia. Eu trabalho bastante com as ervas em marinados de carnes, em molhos que acompanham peixes e algumas carnes. Um ingrediente que não pode faltar na minha cozinha é cebola.
Entre as tuas criações, qual prato que mais te agrada?
Ah, tem alguns... mas um que eu gosto bastante é um ragu de javali, que é uma carne de javali cozida com vinho tinto, tomate, legumes, servido com nhoque de mandioquinha. É um prato que eu demorei um pouco para desenvolver, mas tem bastante identidade, bastante sabor. Acho um prato que fala bem de mim.
Há atualmente uma propagação enorme de programas de culinária (seja na TV, na internet) e, com isso, muitos chefs acabam se tornando celebridades. Isso é positivo?
Acho que os programas de televisão, inclusive falando do Masterchef, que passa no Brasil todo, começaram a atingir as pessoas e elas começaram a despertar um certo interesse em aprofundar mais no assunto. A gente nasce comendo, então, a relação que a gente tem com o alimento é muito próxima, diária. Normalmente, as pessoas esquecem isso, comem por comer. Quando entrou o programa, percebi que as pessoas começaram a se interessar pela forma de fazer, pelas combinações. Isso vai abrindo a mente delas. A profissão de cozinheiro sempre foi vista como um subemprego e hoje, com essa moda, é uma coisa estrelada. Essas pessoas que assistem e querem virar chef de cozinha têm que ter muita disposição, muita força de vontade. Tem vários aventureiros que olham na televisão e: “nossa, o Fogaça na tevê, que legal, quero seguir o caminho dele e tal”. Mas é um trabalho braçal, num ambiente com calor, faca, óleo quente. Tem muita pressão. Então, culturalmente, acho importante os programas. A gente vive num país que tem muita comida regional, que é muito rico na diversidade de ingredientes. As pessoas vão abrindo os olhos e valorizando mais a profissão, se interessando por novos sabores. Isso reflete na cultura do brasileiro com a gastronomia.
Você falava das dificuldades do trabalho na cozinha, então, o que é essencial para ser cozinheiro ou chef?
Tem que começar de baixo, entender como funciona uma cozinha, aprender técnicas, se dedicar muito para, um dia, com alguns anos trabalhando, ter reconhecimento.
Quanto a comida diz sobre uma pessoa?
Acho que diz bastante. Eu, por exemplo sou uma pessoa intensa nas coisas que eu faço: eu tenho banda de rock, tenho motoclube, gosto de lutar. E a minha comida é bem do jeito que eu sou, essa intensidade de fazer as coisas, de não desistir. Não é que seja pesada, mas é uma comida potente. Meus pratos são a minha cara (risos).
Quais são tuas aspirações?
Meus sonhos? Eu sou muito feliz com minha vida, com a profissão que eu encontrei. Comecei a cozinhar por uma necessidade de comer uma comida gostosa e se transformou no meu ganha-pão, no que eu amo fazer. Acho que eu quero continuar trabalhando, que meu restaurante continue sempre tendo sucesso. Surgiu a oportunidade de abrir um restaurante em Miami, que já estou vendo há algum tempo. Então, é seguir disseminando a gastronomia da forma que eu enxergo, saudável e boa. Esse é meu sonho.
Como a exposição influencia na tua maneira de trabalhar?
A responsabilidade fica maior, eu tô lá, sou um Masterchef, então as pessoas vão no restaurante com uma expectativa imensa. Eventualmente, acontece uma ou outra coisa errada porque a rotina de um restaurante é intensa, às vezes você não recebe um produto, às vezes o cara que tá no forno erra alguma coisinha, então são pequenos detalhes. O grande segredo de um cozinheiro ou um chef de cozinha não é criar um prato, é manter aquele prato durante anos com aquele padrão, a mesma forma de montagem, o mesmo tempero, esse é o grande desafio.
Se você tivesse que escolher um único prato, tipo a última refeição da vida, qual seria?
Ai meu Deus, eu gosto de coisas simples. Escolheria o nosso trivial arroz com feijão, uma farofinha, um bifinho acebolado e...um ovo frito, que eu adoro. E com a gema mole (risos).
Entrevista
"Eu gosto das coisas simples", diz chef Henrique Fogaça
Expoente nacional da cozinha, que esteve em Caxias do Sul na última semana, fala sobre profissão, exposição na tevê e outros sabores
Siliane Vieira
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