Por baixo de uma maquiagem absurdamente poderosa para a época, um até então pouco conhecido Boris Karloff emprestou sua carranca friamente apática ao monstro de Mary Shelley em 1931. Até hoje é a imagem mais icônica de Frankenstein fazendo aqueles pinos no pescoço do personagem – que, aliás, nem estão no livro – serem imitados na maioria das recriações do personagem que viriam depois. O longa dirigido por James Whale foi imortalizado na série Monstros da Universal e é um clássico em muitos níveis. A começar pela abertura do filme, com a participação do ator Edward Van Sloan saindo de trás de uma cortina num palco de teatro e avisando os espectadores sobre o que estaria por vir: "Estamos prestes a expor a história de Frankenstein, um homem da ciência, que procurou criar um ser à sua própria imagem sem prestar contas a Deus. É um dos contos mais estranhos já contados. E trata de dois grandes mistérios da criação: vida e morte. Acho que os emocionará. Poderá chocá-los. E até horrorizá-los. Se um de vocês não quiser sujeitar seus nervos a tal tensão agora é sua chance de... Bem, nós avisamos".
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Outra marca registrada do filme é a cena em que Dr. Frankenstein vê sua criação ganhar vida. Os gritos do ator Colin Clive de "it's alive, it's alive" ocupam a posição 49 na lista das 100 melhores frases do cinema escolhidas pelo American Film Institute. A criatura encarnada por Karloff é bem menos humanizada do que aparece no livro, entretanto, o trabalho do ator é tão impressionante que é impossível não se conectar com o personagem. O monstro emite apenas grunhidos e caminha como um boneco gigante, mas de alguma forma sabemos que existe uma alma naquele corpo robotizado. A cena em que ele joga flores na água ao lado de uma menininha representa bem esta intensidade.
A partir de 1931, são inúmeras aparições no cinema – na mesma década ainda viriam A Noiva de Frankenstein (1935) e O Filho de Frankenstein (1939), por exemplo. Assim, o sucesso do personagem passa a ser também visual, sugerindo uma memória estética que resiste ao tempo. Ou seja, a criatura nunca mais seria esquecida pelo cinema e pela cultura pop em geral. Uma prova disso foi a "libertação" do monstro do ambiente de terror na década de 1960, com as séries cômicas de tevê A Família Monstro e A Família Adams, ambas com personagens livremente inspirados em Frank (Hermam e o mordomo Tropeço, respectivamente). Em 1990, outra adaptação ao mundo pop do "mito" do homem que cria outro homem foi mostrada no filme Edward Mãos de Tesoura. Apesar de não ter a referência literal ao texto de Mary Shelley, nem estética ao monstro Frankenstein (o diretor Tim Burton deixaria sua paixão pelo personagem mais explícita somente em 2012, com a animação Frankenweenie), o longa ajudou a modernizar a temática navegando ainda pela onda gótica oitentista.
Em 1994, outra importante adaptação para as telonas seria mais fiel ao livro de Mary Shelley. Embalado pelo sucesso de bilheteria de outra história antiga, Drácula de Bram Stoker (1992), os cinemas receberam o longa Frankenstein de Mary Shelley, dirigido por Kenneth Branagh. Apesar do caráter de superprodução épica, o longa não é lá uma maravilha cinematográfica e recebeu muitas crítica na época. Com Robert De Niro no papel do monstro, uma dos grandes legados do filme é levar o texto do livro para o grande público. Apesar da voz esquisita do ator por baixo da maquiagem, é impossível não se identificar com declarações da criatura como: "tenho amor em mim que nem pode imaginar, e fúria que nem pode acreditar, se não puder satisfazer um, me entregarei ao outro".
Seja sob os olhos de Karloff ou de De Niro, seja em formato de animação ou num personagem de sitcom, é fácil perceber porque a figura do monstro ainda é tão atual. Ora, somos todos meio Frankenstein mesmo, com a alma cheia de dúvidas e uma briga constante entre bem e mal a conduzir nossos caminhos. Além disso, quer algo mais humano do que o tormento da consciência?
Veja uma das cenas clássicas do filme de 1931:
Aniversário
Criado por Mary Shelley, Frankenstein ganhou consagração nas telas
Personagem está completando 200 anos em 2016
Siliane Vieira
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