Elaine Pasquali Cavion já foi professora de português, trabalhou em biblioteca de escola e na biblioteca municipal, atuou no Programa Permanente de Estímulo à Leitura (PPEL) e integra o time da Secretaria da Cultura de Caxias do Sul. Mas é como escritora que seu nome tem atravessado fronteiras e chegado a lugares tão distantes quanto Espanha, China e Líbano.
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Sim, seu segundo livro, O Colecionador de Águas, vem ganhando fãs mundo afora e, após ter uma versão em espanhol publicada em 2013, um ano após o lançamento, sai em árabe em setembro e já tem contrato assinado para edição em chinês.
- É difícil chegar numa editora nacional, é demorado, requer paciência, perseverança, obstinação. Você tem mil "nãos" antes de ter um original aceito. Mas quando ele é aceito por uma editora que trabalha pelo livro, não só no mercado nacional mas no internacional, é uma gratificação muito grande - diz Elaine.
Ela conta que, em conversa com o editor da Cortez - pela qual publicou O Colecionador de Águas - ele lhe disse para torcer por novas surpresas. Isso porque, na última semana, a obra foi levada mais uma vez à prestigiada Feira de Bolonha, na Itália. Foi lá que ocorreu a venda do livro para a China.
- Os editores entendem que meu viés de literatura agrada a um público interessado na literatura mesmo, não no livro pedagógico ou utilitarista, mas na literatura para criança.
Enquanto isso, por aqui, a escritora empolga-se com seu novo livro, Amarelo (editora Paulus), que acaba de chegar às livrarias. O lançamento será dia 4 de junho, e no mesmo mês ele será apresentado no Rio de Janeiro, no Salão do Livro Infantil e Juvenil.
No escritório em que escreve, cercada de livros e de lembranças recebidas em escolas nas quais suas obras foram trabalhadas (ela também é autora de Formigas, publicado em 2009, pela Paulus), Elaine conversou com o Pioneiro sobre seu trabalho. Confira:
Pioneiro: Seus livros fogem do didatismo, comum na literatura para criança...
Elaine Cavion: Eu não tenho nada contra quem escreve de forma utilitária, mas penso que o livro para crianças é literatura. Para mim não há divisão de literatura para criança e literatura adulta, embora exista toda uma técnica, um trabalho da linguagem para esse público. E não é uma literatura que deva vir para ensinar alguma coisa, não tem como primeiro foco a questão educativa, mas vem para que a criança tenha prazer de ler. Então vai falar de questões relacionadas ao mundo da criança e ao mundo em geral, e não de um viés utilitarista.
Como você escolhe os temas dos seus livros?
Eu preciso eleger um tema que toque a minha sensibilidade, e a partir disso vou buscar a matéria da imaginação, trabalhar uma história. E sempre trabalhando muito a narrativa poética, porque essa narrativa conversa com a criança e desperta o imaginário. Não consigo fazer uma literatura comercial, escrever sobre um tema porque ele está na sociedade.
Qual o seu público?
Crianças de todas as idades. Na boa literatura há camadas de leitura. A criança vai construir seu entendimento a partir das referências de mundo que ela tem, e o adulto a partir das suas referências de adulto. A boa literatura é isso, ela é uma literatura para todos.
Como é seu processo de escrita?
Eu não quero escrever livros descartáveis. Escrevo devagar, trabalho muito num livro, chego a demorar dois anos para terminar. Sou perfeccionista na forma e submeto meu texto a críticos literários, penso que a gente deva ter essa humildade de ouvir o outro. Por isso a minha produção não é grande, mas eu estou feliz com ela. E eu tenho vários projetos, além do Amarelo tenho dois outros livros já com editoras, um deles em fase de ilustração. Eu nunca paro de escrever.
Os contatos para tradução, como ocorreram?
Primeiro O Colecionador... foi selecionado para o catálogo de Bolonha, a Cortez tem um trabalho forte nas feiras. Eu não esperava que fosse traduzido, queria que fosse publicado. Escrevi porque gosto, e penso que tenho algo a contribuir. Eu trabalho para isso, estudo, então, aconteceu. Quando o livro foi traduzido, eu fiquei muito feliz. A tradução em espanhol é belíssima. Já as outras eu não vou saber como ficou (risos). Estou curiosa, em árabe tem aquela escrita desenhada... Meu editor disse que o livro teve uma grande aceitação nos países orientais, além do Líbano há outros países sendo prospectados. Não sei se é pela ilustradora ser nipônica (Lúcia Hiratsuka), acho que é pela história também, pela poesia, a literariedade e a leveza do livro, o aspecto suave, sensível.
O trabalho em escolas contribuiu para sua literatura?
Foi na biblioteca da escola que comecei a me interessar mais pela literatura infantil. Embora eu sempre tenha sido leitora e cursado Letras, na faculdade não foi trabalhado a literatura para crianças. Fui aprender no trabalho. Eu trabalhava mais com adolescentes do que com crianças, e percebia que eles não liam. Buscando estratégias para despertar o gosto deles pela leitura, comecei a descobrir, além dos livros direcionados ao público adolescente, essa literatura para criança, mas que, conforme você conta e media, é encantadora para qualquer público. Eu trabalhava com essa literatura para despertar a sensibilidade, e não parei mais. Comecei a ler, comecei a buscar, a estudar, e a descobrir coisas novas.
Já pensava em escrever?
Não. Eu tinha interesse em entender os mecanismos da leitura, como se forma um leitor, em ser uma boa crítica na análise de um texto, para que a escola tivesse literatura de qualidade na biblioteca. Então de repente veio a vontade de escrever. Ela surgiu de forma bastante natural, de tanto ler, de tanto contar, de tanto observar. E de gostar de determinados autores, me apaixonar por certas referências. Mas os primeiros textos estão engavetados. E não vão sair de lá. Durante muito tempo eu escrevi e engavetei. Quando escrevi Formigas, acreditei que o texto tinha possibilidades interessantes, daí eu conversei com André Neves (que ilustrou a obra) para fazer o projeto.
Como é essa relação com os ilustradores?
Quando escrevo um livro, eu já tenho um ilustrador em mente. O Colecionador de Águas, escrevi para a Lúcia, da mesma forma que no Formigas eu pensei no André. A Lúcia tem essa leveza da aquarela, a linguagem artística dela é uma linguagem de água, a queria para o livro. E para o novo livro, Amarelo, logo pensei na Veruschka Guerra.
Quanto tempo você escreveu antes de publicar?
Aí por 2005, comecei a escrever, como exercício. Porque eu acho que todo autor iniciante tem de exercitar, tem de fazer como quem pinta, um estudo. Eu tive muitos livros recusados por editoras, mesmo após a publicação de Formigas, e agradeço, porque hoje eu vejo que eles talvez não estivessem maduros. Às vezes você pensa que uma negativa é uma coisa ruim, mas não é. Ela pode ser uma coisa muito boa na carreira e na vida de escritor.
Em que sua experiência crianças ajudou?
O meu contato em sala de aula me mostrou que criança gosta de literatura. Basta contar, mostrar o livro para ela. Às vezes os pais dizem "o meu filho não gosta de ler"; mas a criança que não gosta de ler é porque não teve contato, não foi apresentada à literatura, nem em casa, nem na escola. A criança ama uma história bem contada, seja de forma oral, seja com um livro na mão, toda criança ama literatura. Boa literatura. E tem o meu filho, de 12 anos. Sempre submeto meus textos para meu filho, porque criança é sincera, ou gosta ou não gosta, e ele é um crítico feroz. Aponta onde tem um erro, diz "mas ali não está muito legal", "e aí, o que aconteceu?", "não entendi bem"...
Fale um pouco sobre seu novo livro.
Amarelo é a história de uma árvore solitária, que não gosta de se relacionar com o mundo. Ela desistiu de fazer folhas e flores, de tal forma que esqueceu de que cor eram as suas flores. E o Amarelo vai redescobrir a alegria de se relacionar com o mundo por meio de duas crianças, que são os dois outros personagens da história e vão despertar essa árvore. O menino, o Rodriguinho, pensa que a árvore está morta, porque ela está somente o esqueleto. A menina, Ana Clara, enxerga um pouco além, percebe que a árvore não está morta, ela está com frio, um pouco mal cuidada. E no meio da história tem também uma paixão do ipê, porque essa árvore é um ipê amarelo, por uma aroeira. Eles viveram uma história de amor, mas o ipê acabou desiludido e por isso decidiu não florescer, não fazer folhas. Até que acontece uma reviravolta...
Para finalizar, o que é escrever para você?
Escrever é angustiante, requer trabalho, dedicação, tem momentos em que dá vontade de jogar tudo fora o que se escreveu... Escrever é um processo realmente que tem de vir de dentro. É algo muito intenso pra mim, e penso que é por isso que as pessoas gostam dos meus livros, é por isso que eles têm sido longevos, porque essa intensidade toda que eu trago transparece no texto. Eu não pretendo escrever nada que passe despercebido. Acho que tudo que se escreve tem um impacto, você se reconhece um pouco na escrita.
Entrevista
Escritora de Caxias fala da carreira, da tradução em outros países e de seus projetos
Elaine Pasquali Cavion vem ganhando fãs mundo com seu livro "O Colecionador de Águas"
Maristela Scheuer Deves
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