O incêndio que destruiu o Cine Ópera na madrugada de 24 de dezembro de 1994 é lamentado até hoje, passados quase 30 anos. Porém, muito antes de o Ópera se consagrar na memória afetiva de seus frequentadores, a partir da década de 1950, Caxias já havia presenciado, ainda nos anos 1920, as chamas atingindo o antigo prédio de madeira – na mesma esquina das ruas Pinheiro Machado e Dr. Montaury.
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Inaugurado há 100 anos, em 1º de janeiro de 1921, o pioneiro Cine Theatro Apollo foi vítima de um sinistro em 28 de maio de 1927 – “com gente pulando pelas janelas, a fim de se livrar das labaredas”, conforme lembrou o médico e cronista Francisco Michielin em um texto publicado no Pioneiro em 31 de março de 2006.
O incêndio também foi detalhado no livro Cinemas: Lembranças, de Kenia Pozenato e Loraine Slomp Giron, publicado em 2007. Segundo as autoras, “o sinistro começou no vestiário, onde uma camareira distraída esqueceu-se de um ferro à brasa sobre uma roupa que passava. As roupas pertenciam à Companhia de Revista Sarah Nobre, que há uma semana se apresentava na cidade. Para completar a confusão, enquanto ocorria o incêndio, foi roubado o projetor, que havia sido retirado do prédio e posto a salvo”.
Na imprensa
A “pavorosa catástrofe” estampou a capa do jornal “O Regional” de 4 de junho de 1927 (detalhe abaixo). O texto original é recheado de detalhes:
“Perdura, por toda a cidade, a dolorosa impressão causada pelo espetáculo tétrico de sábado último, que reduziu a um montão de ruínas o elegante Theatro Apollo e mais seis casas situadas nas vizinhanças daquele popular centro de diversões. O fogo irrompeu violentamente, quase ao meio dia, assumindo, em poucos segundos, proporções nunca vistas nesta cidade. O forte vento que soprava na ocasião e a pintura a óleo daquele Theatro facilitaram grandemente a ação do terrível elemento. Imensa era a proporção do sinistro quando chegaram numerosos praças do 9º Batalhão de Caçadores, que entraram para impedir a propagação das labaredas”.
Fotos raras
Não conseguimos localizar imagens do incêndio, nem temos conhecimento se foram feitas fotografias naquele dia. O que trazemos abaixo são registros do interior do prédio antes do sinistro. Na primeira foto, palco, plateia e camarotes em 1922, mesmo ano em que ocorreu a apresentação da opereta em três atos Don Pasticcio, a cargo do Grupo Caxiense de Amadores – dirigido por José D’Arrigo e formado por sócios do Clube Juvenil (imagem abaixo).
Compunham o elenco Corina Stangherlin, Guido D’Andréa, Renato Galló, e Elvira e Icilio De Paoli, além de João Spinato, Pedro Mocelin e Domenico Tronca, entre outros, no coro. Já a orquestra tinha na regência o maestro João Bragagnolo.
Brasas a cinco quadras
A propagação das chamas pela vizinhança também foi detalhada na reportagem do jornal "O Regional":
"Um pânico indescritível apossou-se daquela imensa massa popular, quando as chamas, depois de haverem destruído o Apollo e mais três prédios situados nas imediações, alcançaram as casas situadas do lado oposto da rua, que, em pouco tempo, desapareceram. O vento, forte e favorável ao incêndio, levava as fagulhas a enorme distância, o que permitiu que, em vários lugares, se manifestassem princípios de incêndio. Para fazer-se uma ideia, embora pequena, da impetuosidade do vento, basta afirmar que os depósitos da firma Abramo Eberle & Cia., situados a uma distância de cinco quadras do local do sinistro, foram por três vezes atingidos por brasas".
Embora acometidos pelo fogo, os prédios vizinhos estavam, em sua maioria, segurados. Mesma sorte não teve a Companhia de Revista Sarah Nobre, que necessitou de ajuda para recuperar utensílios e figurinos destruídos no incidente.
Conforme descrito pelas pesquisadoras Loraine Slomp Giron e Kenia Pozenato no livro, “a população realizou uma coleta de fundos para auxiliar os artistas. Depois do incêndio, a Companhia Sarah Nobre realizou apresentações no Cine Central para, com o dinheiro recebido, poder voltar ao Rio de Janeiro”.
Cachorra desaparecida
Após enumerar os prejuízos, a reportagem do jornal “O Regional” finalizou com um apelo:
“A pedido da família Montagutti, que ocupava uma das dependências do Theatro Apollo, apelamos para a pessoa que levou uma pequena cachorra, lanuda, cinzenta e branca, raça Lulu da Pomerânia, a fineza de devolvê-la à residência do sr. Aristides Germani, próxima à Estação da Viação Férrea, onde será gratificada.”
Detalhes internos
Segundo descrito no livro Cinema: Lembranças, o interior do primeiro Cine Theatro Apollo apresentava uma ampla sala de projeções, na entrada da qual havia duas colunas. O palco era adornado, na parte superior, pela pintura de uma lira, contornada por uma guirlanda de flores, conforme vemos na foto que abre a matéria.
Uma espécie de cortina em estilo art nouveau protegia a tela, como se fosse um grande banner, mesclando linhas retas e curvas. A tela era ladeada por duas colunas, e sobre a mesma constava a inscrição Theatro Apollo. Nas laterais havia camarotes no térreo e em mais dois andares, que seguiam da entrada para a tela como uma grande linha ondulada. Já as escadas circulares que levavam aos camarotes iniciavam no saguão, onde se encontrava a bomboniére.
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