Pobre Cazuza. Romântico e idealista, morreu cantando que “queria uma ideologia pra viver”.
Ok, né Cazuza, eu te entendo, porque isso foi lá no final dos anos 1980, quando os novos ventos da democracia injetavam mais uma dose de esperança no povo brasileiro. Só que de 1988, quando tu compôs essa música, até 2024, o ano que se encerra logo ali, depois do próximo fíndi, muita coisa rolou.
Em parte tu já preconizavas onde iríamos amarrar nossos bodes: “os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito”. Ideologia, meu caro, é moeda de troca hoje em dia. Quem se importa com ideologia?
Os da esquerda da margem querem distância dos que vivem à direita da margem. E vice versa. E, a maior parte das pessoas, como tu bem escreveu, estão “em cima do muro”, sem tesão de fazer a revolução. Quem se importa com o verso de aproximação, já que ressoa com potência o silêncio e a incapacidade de diálogo?
A ideologia, meu caro, não serve “pra viver”. Pouca gente se importa com o sentido de urgência de colocar em prática as ideias iluminadas que provocariam transformações, sejam elas de cunho liberal ou socialista.
Ideologia, hoje em dia, é pretexto pra xingamento. Deturpa-se o sentido do termo, com todas as suas bifurcações filosóficas e a profundidade do conceito, em nome de um palanque pra lacrar nas redes sociais.
A ideologia, meu caro, nunca esteve tão na boca do povo e tão pouco em seus corações. Tu fazes falta, Cazuza. Teu romantismo, teu idealismo... Porque há tantos garotos por aí que sonhavam mudar o mundo, que “frequentam agora as festas do Grand Monde”. Gurizada que chora porque os seus “heróis morreram de overdose” e “os inimigos estão no poder”. Pois é. Inimigos de quem, cara pálida?
Quem será o último a resistir em cima do muro? Não sei vocês, mas eu vou continuar a mudar o mundo deitado no divã. E como diz a canção do Cazuza: “eu vou pagar a conta do analista pra nunca mais ter que saber quem eu sou”.
A ideologia? Eu deixo pra quem é político profissional, pra quem ganha a vida de palanque em palanque. Afinal de contas, a filosofia da coisa já não importa mais e não será em 2025 que irá ressuscitar. Até porque, como cantava Cazuza: “as ilusões estão todas perdidas”.
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P.S.: Feliz 2025, até a próxima quinta-feira (dia 2 de janeiro).