A crise causada pelas enchentes no Estado atinge, neste sábado, seu 20º dia com previsões pouco otimistas e de mais chuvas, conforme a meteorologia. As inundações afetam 2,1 milhões de pessoas. Neste cenário, é crucial entender como acolher adequadamente os afetados. Para isso, conversamos com Fabiana De Zorzi (CRP 07/09732), graduada em Psicologia pela UCS e Mestre pela Universidade de Fortaleza. Em seus 25 anos na área clínica, ela possui treinamento com os renomados Joseph Zinker, Jean Marie Robine, Jean Marie Delacroix e Felicia Carroll. Fabiana também é capacitada em Primeiros Socorros Psicológicos, professora convidada em cursos de formação em Gestalt terapia, coordenadora de cursos na especialidade e leciona a extensão em Transtorno do Comportamento Suicida, focando na identificação de riscos, manejo e pósvenção. Aqui, Fabiana De Zorzi orienta práticas que proporcionam uma base sólida para sua recuperação emocional.
João Pulita: Como as crises e eventos traumáticos impactam o sentido de normalidade das pessoas?
Fabiana De Zorzi: A quebra de rotina nos coloca em descontrole. Crises, como a perda de emprego, o fim de um relacionamento ou a morte de um ente querido, implicam em uma alteração de sentidos, como o da vida, de segurança e de normatividade. Isso pode resultar em desorientação e até perda do sentido de identidade, pois os indivíduos se distanciam do “norte” habitual, não sabendo como agir, sentir ou pensar plenamente. O ser humano é naturalmente um ser de rotina e esta situação nos coloca em modo de emergência.
JP: Quais as manifestações comuns durante uma situação de perigo ou trauma?
F: O sistema nervoso é impactado e há uma reação natural do organismo. Frio na barriga, estado de choque, nó na garganta e falta de ar, são naturais e fazem parte do mecanismo de sobrevivência, nos colocando em um estado de luta, fuga ou paralisia. Durante uma situação de trauma, como uma enchente, o corpo pode reagir dependendo da ativação dos sistemas nervosos simpático e parassimpático.
JP: Como os profissionais capacitados em Primeiros Socorros Psicológicos atuam?
F: Ainda durante a pandemia da Covid-19, em um curso ministrado pela Dra Sarah Carneiro, consultora da Unesco pelo Ministério da Educação e especialista e atuante em Intervenções em Crises, Emergências e Desastres, chamam atenção para seguirmos protocolos, como os da OMS, e avaliar se é necessário encaminhamento imediato.
JP: Quais sintomas indicam a necessidade de atendimento especializado?
F: Os que persistirem por mais de cinco semanas, como alteração de apetite, dores musculares, tremores e baixa imunidade, devem ser monitorados. Sintomas como mudança na função cardíaca, tontura, vômito, dor aguda no peito, inconsciência e paralisia requerem encaminhamento.
JP: Quais os indícios cognitivos e emocionais que necessitam atenção?
F: Na fase inicial, confusão temporária, distorção do tempo, dificuldade de concentração e necessidade de reviver o momento são comuns. Sintomas como despersonalização, pensamentos suicidas, alucinações, transtornos de estresse agudo ou pós-traumático e ataques de pânico indicam a necessidade de intervenção imediata.
JP: Quais são as possíveis consequências a longo prazo?
F: Alguns podem desenvolver Transtorno de Estresse Pós-Traumático, revivendo o trauma. Outras podem sofrer com sentimentos de desesperança ou medo. É importante ressaltar que 25% das que sofrem com um desastre, conseguem ter um crescimento pós-traumático e florescer. Outras 50% não chegam a desenvolver psicopatologias e superam sem ajuda especializada. No entanto, 25% das pessoas desenvolvem prejuízos mais severos como disfunções ou transtornos psiquiátricos.
JP: Como devemos acolher quem está em estado de pós-trauma?
F: Aquele em vulnerabilidade requer sensibilidade e acuidade de cada sintoma apresentado, seja ele a nível fisiológico, cognitivo ou comportamental na avaliação dos sintomas apresentados. É importante não agir de forma inadequada e entender as necessidades, oferecendo uma presença afetiva e um suporte prático.
JP: Quais frases devemos evitar ao falar com vítimas de desastre?
F: Evite falar “Eu imagino como você está se sentindo”, “Ao menos você saiu com vida”, “Isso vai passar, logo tudo volta ao normal”, “Há pessoas em situação pior que a sua” e “Você precisa ser forte, agora”. Essas expressões podem minimizar o sofrimento ou subestimar a gravidade da situação. Jamais devemos julgar ou instigar emoções. Agora precisamos amenizar.
JP: Como ajudar as vítimas de forma eficaz?
F: Oferecer uma escuta atenta, presença e suporte prático, como um lenço de papel ou um copo de água, pode fazer a pessoa se sentir acolhida. É importante não forçá-la a relatar o que vivenciou e legitimar a dor sem julgamentos.
JP: Como a solidariedade pode ser demonstrada efetivamente?
F: É fundamental para reconstruir a comunidade e oferecer estrutura às vítimas. Seja por meio de gestos de cuidado ou participando de esforços coletivos. Importante reconhecer que cada um tem seu próprio tempo para se recompor. A ajuda oferece apoio emocional e inspira esperança e enriquece o senso de comunidade. Há relatos de pessoas que se sentem culpadas por não conseguir ajudar agora. Precisamos não perder de vista que um desastre dessa proporção dependerá de muitas mãos solidárias, e por tempo indeterminado. Me emociona muito ver pessoas de tantas regiões do Brasil mobilizadas neste momento. É lindo e genuíno!
JP: Como olhar para o futuro?
F: É importante investir em políticas públicas para prevenção de desastres e fortalecer o apoio mútuo na sociedade. Apesar da escuridão temporária, a esperança e a reconstrução são possíveis com esforço coletivo e resiliência.