A Copa de 70 no México, tenho dito aqui, foi a Copa das Copas pela junção de protagonistas, em um inédito alinhamento de astros, que juntou Pelé, Tostão, Gerson, Rivelino, Jairzinho, mas também os alemães Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Overath, os italianos Gigi Riva, Gianni Rivera e Facchetti, os ingleses Gordon Banks, Bobby Moore e Bobby Charlton, os uruguaios Pedro Rocha e Mazurkiewicz. Também foi a Copa das Copas pela coleção de genialidades e lances surpeendentes. Teve aquele que foi considerado o "jogo do século" – e o Brasil não participou dele. Foi Itália 4, Alemanha 3, pela semifinal da Copa. E ainda foi a Copa das Copas porque foi a primeira Copa do menino de 9 anos, e todos os seus principais lances ficaram bem retidos na memória. Todas as idades são únicas, e ter 9 anos tem as suas peculiaridades. Uma Copa aos 9 anos arrebata as percepções em uma fase em que a vida ainda é um livro quase todo aberto às primeiras impressões. Uma Copa assistida pela tevê, então, aproxima e potencializa tudo isso. Não surpreende que um evento assim, de tamanha magnitude e impacto, transborde da realidade para a imaginação.
Meses antes, meu pai havia providenciado para mim uma mesa para o futebol de mesa, o jogo de botão. E não havia botões, era pequeno ainda para providenciá-los. Então improvisei. Meu tio era dono de um armazém, com frequência o pai, a mãe e eu íamos a um bar, no quiosque da Praça Getúlio Vargas, que existe até hoje, ou no Clube Caixeiral, época em que os clubes sociais ainda eram fortes. E, nesses "pontos de apoio", eu arrecadava pelo chão, ou com a ajuda de garçons, tampinhas de garrafas de bebidas as mais variadas: coca-cola, guaraná de diversas marcas, cada uma com sua respectiva tampinha, pepsi-cola, cervejas também de diversas marcas, entre elas Brahma, Polar e a uruguaia Norteña, soda, água mineral da fonte Pampa, que era lá do Alegrete, grapete, mirinda, fanta, minuano.
Pronto: havia 16 tipos de tampinhas de garrafas. Foi só juntar 10 tampinhas de cada uma e tínhamos as 16 seleções da Copa. Um rótulo de tampinha, uma Seleção. E tinha à mão os nomes de todos os jogadores, pois também havia álbum de figurinhas naquela época. Decorei os nomes de todos, até das seleções de El Salvador, Marrocos e Israel, as mais fracas daqueles jogos, tarefa facilitada por uma singela razão: na "estádio" de futebol de mesa que meu pai havia me dado, comecei a simular a Copa com as 16 seleções em jogo de botão. Aliás, de tampinhas de garrafas. Jogava eu sozinho, movimentando os "jogadores" de ambas as seleções que disputavam uma partida, um jogo após o outro. E o detalhe: eu mesmo também narrava os jogos, com um efeito sonoro que criei para simular os ecos das torcidas. De tanto falar o nome dos jogadores, acabei decorando todos. Não será preciso dizer que, como tinha eu o poder de "manipular" as partidas e os jogadores, movimentando-os como quisesse, dei um jeito de o Brasil ser campeão. Foi campeão nos jogos da imaginação do menino de 9 anos, assim como foi campeão na vida real.
Não havia como a Copa de 70 no México não se tornar – até hoje e sempre – a Copa das Copas. Haveria de ser.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.