É possível dividir as Copas que testemunhei em copas alegretenses, copas santa-marienses e copas caxienses. Elas possuem perfis distintos. As copas alegretense, as três primeiras a partir de 1970, são mais férteis em histórias para contar, e o leitor e a leitora certamente perceberam isso ao longo dessas Histórias de Copa, por algumas razões. Primeiro, os arquivos da memória do torcedor iniciante ainda estavam desocupados, e os acontecimentos que foram se precipitando deixaram suas marcas fortemente impregnadas na lembrança e na memória afetiva. Vale o mesmo, já com algum acúmulo de material armazenado no disco rígido, para as copas santa-marienses, que foram duas, porém com eliminações marcantes para o Brasil que faziam amplificar os detalhes. Sem falar que, ainda por cima, a Copa de 70 no México, e as subsequentes, com suas novidades e lances inesquecíveis, renderam muita história para contar.
Outro aspecto central para essa diferenciação relaciona-se ao tempo disponível àquele iniciante em Copas do Mundo para dedicar às suas primeiras edições. Havia tempo, artigo precioso, para deter-se nos jogos, assisti-los na grande maioria deles e reter mais os acontecimentos e seus protagonistas, bem como era maior a disponibilidade para o encantamento.
Já as Copas caxienses, à medida que se avolumavam as Copas na memória do torcedor, e as gavetas da memória iam ficando mais repletas de informação, têm outra característica central, a justificar uma dificuldade maior de retê-las. As informações já se misturavam e se embaralhavam aos poucos, e o tempo ia se tornando artigo cada vez mais escasso, por conta das atividades profissionais. Nesta Copa do Catar, por exemplo, o primeiro jogo a que assisti "de cabo a rabo" foi agora no sábado, entre França e Inglaterra. Dessa vez, pude parar na frente da tevê com o propósito inarredável de assistir ao jogo. Nas demais partidas, incluindo a sequência de jogos do Brasil e o fatídico enfrentamento contra a Croácia, espiava os lances, ou parava mais prolongadamente em algum momento diante da tevê, entre a digitação de um texto e a organização do farto volume de acontecimenos políticos.
Tem sido assim desde a Copa de 1990, edição em que, como editor de Esportes do jornal, tive a responsabilidade de coordenar a cobertura mas, ao mesmo tempo, exigiu trabalhar mais, havendo momentos de incompatibilidade entre assistir aos jogos e a tarefa editorial, que tinha prazo para ser entregue. As Copas têm passado voando pela janela, como assim é a vida. Naquela Copa, na Itália, lembro que assisti na redação a outro fatídico gol, conferido à dupla Maradona-Caniggia, que desclassificou o Brasil naquele 1 a 0 para a Argentina. Já na Copa de 2010, no jogo que eliminou o Brasil, na derrota de 2 a 1 contra os holandeses, as atividades e preocupações cotidianas e profissionais exigiram-me um deslocamento de um ponto a outro da cidade que dividiu o jogo ao meio, com a bola rolando. Dessa forma, não há concentração que resista. Dificuldade semelhante de administração de tempo deu-se em 2018, em uma sexta-feira, dia totalmente impróprio para conciliar a atenção ao jogo de quartas-de-final entre Brasil e Bélgica com as tarefas editoriais do jornal do fim de semana.
Foi se tornando mais difícil conciliar o tempo, o jogo de Copa e as atividades profissionais. Essa turbulência, por inevitável, acaba impactando na capacidade de retenção de detalhes, de histórias para contar. O trabalho passa a exigir mais, como é de praxe na Caxias da fé e do trabalho, e o jogo de Copa acaba dançando.
A trajetória das Copas, como fica claro nessa sucessão de histórias, é também a trajetória das vidas de cada um de nós.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.