Avós e netos compõem uma equação improvável. Porque há uma geração no meio, um fosso de contextos, de expectativas, de ritmos, a sugerir a improbabilidade da comunicação. Diz-se que avós são pais e mães duas vezes, agora com mais tempo, que se divertem mais, porque a responsabilidade da criação é dos filhos, então avós se permitem algumas travessuras e cumplicidades com seus netos. Há tempo mais para carinho do que para repreensão. Para curtir. Também a experiência e a maturidade permitem aos avós extrair e valorizar aquilo que mais importa da convivência com os netos.
Lembro de meus avós. Como homenagem, reconhecimento e gratidão. Um deles nem conheci, o pai de meu pai, que se foi antes. Dos demais, guardo bem vivos o jeito, as lembranças fragmentadas, especialmente estas, que pontuam uma existência. E guardo uma sensação incompleta, de que deveria ter dispensado mais tempo a eles.
Se pais que perdem filhos é uma situação que já foge do roteiro padrão do calendário dos anos, avós que perdem netos foge duas vezes. A relação entre avós e netos, dentro de um mundo cada vez mais rápido e movido a tecnologia, uma barreira aos mais antigos, exige cada vez mais a presença de fatores familiares para funcionar. O cultivo de determinados valores, posturas, atitudes. Requer paciência, só para citar um exemplo, o que a rapaziada de hoje tem cada vez menos. Requer um amálgama, ou uma argamassa, isto é, o meio entre um e outro, entre netos e avós, onde se dá o espaço para a comunicação e o ajuste das personalidades. Espaço que simplesmente não é cultivado, é detonado e não existe para muitas famílias. Mas é espaço de comunicação que fica tanto mais facilitada quanto mais exercitados forem o conceito e a prática de família. Há boas chances para avós e netos.
Esse ambiente de convivência a ser facilitado pode e deve valer para além das relações de parentesco. Lembram da chamada Família Scolari? É o conceito. Uma espécie de família, de relações de disponibilidade, de unidade, de esforço conjunto em torno de propósitos e objetivos. Para isso, precisa ser construído um ambiente favorável neste espaço de comunicação entre diferentes. Quando não há êxito nesta empreitada, perde-se o espaço da comunicação, surgem as fissuras, as rachaduras, as divisões irreversíveis, como é no Brasil, nas redes sociais, em toda a polarização.
Divisões e má vontade são capazes de polarizar e desrespeitar a despedida de um avô de seu neto que se foi – prevista em lei. É só o exemplo da hora.
Que país construímos.