A cultura de paz prescreve um tópico central, a capacidade de administrar conflitos, e de desarmá-los. Estamos a muitos oceanos da cultura de paz. Estamos mergulhados na cultura do conflito, da agressividade. A forma de desarmar conflitos eleita pela sociedade considera com naturalidade a eliminação de um dos polos, e pronto, está desfeito o conflito. Barbaridade! Muitas vezes, nem são conflitos, mas meras divergências ou desentendimentos primários. Diagnosticado esse contexto, as barbáries surgem como consequência.
A morte de um jovem por asfixia por um segurança em um hipermercado da Barra da Tijuca, no Rio, deveria ser um divisor de águas para ligarmos os avisos de “basta!” e de “chega!”. E haver uma reação organizada, acender as luzes indicando que o caminho não é por aí, mas para o lado oposto. Tende a se tornar, no entanto, mais uma aberração sem consequência, e vida que segue.
O segurança escrevera em um perfil seu nas redes sociais: “Meu lema é salvar vidas.” Como se vê, salvar “determinadas” vidas, que ele arbitra a partir de critérios pessoais: essa sim, essa não. O jovem que circulava pelo hipermercado, ele entendeu que devia eliminar. E elimina de forma grotesca e com requintes, no palco de um shopping, à vista de quem quiser. É simbólico.
O caso do segurança do Extra deu-se praticamente simultâneo a outro, que não teve a mesma visibilidade, mas foi filmado por câmeras. Em João Pessoa, um taxista manobrava o carro para dar meia-volta e bloqueou por instantes a frente de um segundo carro. O carona deste segundo veículo desceu, foi na janela do táxi, puxou da arma e atirou cinco vezes contra o motorista. Pronto. Eliminado o conflito! Método eficiente e rápido. Esta é a cultura.
Os últimos dias têm sido pródigos. Sucedeu-se horas depois a agressão durante quatro horas de uma mulher no Rio de Janeiro, produzindo um cenário macabro no apartamento onde prosperou a barbárie. Esse caso é um pouco diferente, não havia sequer conflito para administrar. Nem desentendimento houve. Foi violência pura, e violência contra a mulher.
Estes últimos episódios deixam evidente: nossa cultura é a do conflito, da agressividade, da violência. Conflitos deveriam ser administrados pela conversa, pela democracia, mas política está em baixa. É sintomático. Saber conversar pressupõe respeito ao outro. Deveria haver disciplina de cultura de paz nas escolas para lidar com conflitos, o aprendizado da boa conversa. Tudo parte do respeito, repita-se. Mas é importante tratar o tema nas escolas e comunidades. Cultura de paz urgente, contra a barbárie, a selvageria e a estupidez, que nos são cada dia mais familiares e menos surpreendentes. Vamos deixar assim?
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