Que triste uma égua que morre atolada na lama! Em geral, animais comovem. Um encadeamento de atos ou de falta de iniciativas levou a égua para o atoleiro, no bairro Fátima, e ela foi obediente ao encontro de seus últimos momentos. Moradores se compadeceram, mas o socorro se enredou nas formalidades. Era preciso fazer uma denúncia, pessoalmente ou pelo site. Tudo muito complicado para a vida real, onde o telefone ainda é a maneira mais imediata e ao alcance da mão. E assim, a égua se foi.
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Balançamos a cabeça e seguimos em frente. A cidade está cheia de casarões abandonados, no centro e nos bairros. Casas cheias de histórias, mas que agonizam como a égua no atoleiro. Uma delas, na Avenida Júlio, em Lourdes, teve um princípio de incêndio no final de semana. Há outras que se deterioram sob nossos olhos. Dois exemplos: a casa verde da Bento com a Montaury, a antiga Cantina Pão & Vinho. Essas situações tiram a graça da cidade. Não faltam entusiastas da modernidade a identificar as maravilhas de nossos dias. Elas existem, nenhuma dúvida: a solidariedade, as histórias de luta, a tecnologia. Mas gosto de trabalhar com o conceito físico da resultante, isto é, dos efeitos produzidos pelo somatório de forças na realidade.
E essa resultante é o que vemos diante de nossos olhos, nas diversas áreas, nas ruas, nas redes sociais. É decepcionante. A intolerância vence o jogo, e o placar é folgado. No Centro de Cultura, interferiu-se na proposta da obra em exposição. Estava escrito "Guerra, nos deixe em paz." Mas a proposta era essa, recolher impressões, e, no caso, com a provocação do duplo sentido. Se a proposta é essa, não há como evitar recolher impressões também do universo político, que é central na realidade. Pois bem, interferiu-se.
Tudo isso é sem graça. Falta-nos o básico,e também maturidade. Não se trata de maldizer o momento, mas de alinhavar constatações objetivas, e não ignorá-las porque isso pode parecer antipático. Ney Matogrosso, em entrevistas recentes, disse que se nota entre nós uma "regressão da mentalidade", do pensamento. Mas não refuta o momento. "Temos de aceitar e ir em frente." Está correto. Há uma clara sensação de que estamos voltando em um caminho que já havíamos percorrido.
A inigualável ministra Damares Alves talvez seja a melhor porta-voz dessa evidência ao anunciar uma "nova era": "Menino veste azul,menina veste rosa." Ou quando diz: "Deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas." O cenário é desalentador e sem graça. Mas estamos nos primeiros dias de janeiro, há um ano inteiro pela frente e muito por fazer. Sem direito ao desânimo, pelo contrário.